Comida cara X safras recordes: especialistas explicam absurdo

Comida cara X safras recordes: especialistas explicam absurdo

Geral CTB Geral 16/05/2025

O IBGE divulgou, nesta quinta  (15), uma previsão para a safra brasileira neste ano. A estimativa de produção tende a ser ainda maior do que o instituto pensava, atingindo 328,4 milhões de toneladas. É 12,2% maior que a safra efetivamente colhida em 2024, de 292,7 milhões. “Em 2024, tivemos uma série de problemas climáticos afetando as principais lavouras do Brasil. Em 2025, temos uma safra de recuperação, com o clima muito melhor para o desenvolvimento das lavouras”, afirmou Carlos Guedes, gerente de agricultura do IBGE.

Estranhamente, essa recuperação não se converteu em redução de preço de alimentos, até agora. Pelo IBGE, em abril, a alta acumulada em 12 meses dos itens de comida e bebida chegou a 7,81%, a mais alta desde fevereiro de 2023. Durante o governo Lula (PT), a inflação dos alimentos caiu em 2023, fechando em 1,03%, mais que dez vezes menos do que os 11,64% de alta registrados em 2022, último ano do governo Bolsonaro (PL).

Mas, a partir do final de 2023, a inflação dos alimentos no Brasil mantém uma tendência de alta. E nem a safra recorde já parcialmente colhida nos primeiros meses deste ano ajudou a reduzir a pressão sobre o custo da comida.

MOTIVOS

Para muitos especialistas, a primeira explicação é que, apesar de colher uma safra recorde de grãos, o Brasil não colhe safra recorde de comida nem uma quantidade recorde de produtos para abastecimento interno. A soja é o maior exemplo disso. Metade do que vamos produzir em 2025 será soja, segundo o IBGE. Serão 164,2 milhões de toneladas do grão do total de 328,4 milhões. 

Ela não faz parte da dieta tradicional brasileira e, por isso, cerca de 65% dos grãos colhidos são exportados (70% são destinados à China). A produção de milho representa outros 39% da produção nacional e vai bem. Devem ser colhidos 128,2 milhões de toneladas do grãos. Parte disso também será exportado, ou seja, não vai se reverter totalmente em redução de preço do milho no Brasil.

COMMODITIES x ALIMENTOS

Outro problema é a relação entre commodities (produtos produzidos para venda no exterior) e alimentos. “É preciso fazer uma distinção entre produção de commodities e produção de alimentos. Elas têm comportamentos bem distintos no que diz respeito ao atendimento de necessidades econômicas e sociais. Nos últimos anos, estruturalmente, o Brasil vem produzindo cada vez menos alimentos e cada vez mais commodities. Por isso, apesar dos resultados recordes de produção, a inflação de alimentos tem sido cada vez mais severa”, diz Paulo Petersen, agrônomo e membro do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). 

Segundo José Giacomo Baccarin, professor de economia e política agrícola da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e diretor do Instituto Fome Zero (IFZ), vai na mesma linha. “A causa básica do aumento dos produtos alimentícios é que passamos a exportar muito, especialmente neste século. É preciso direcionar a produção para que ela não seja tão voltada ao mercado externo. Precisamos ter alguma capacidade de arbitrar publicamente entre o abastecimento do mercado interno e a exportação. Hoje, quem faz essa arbitragem é a iniciativa privada, por grupos econômicos”, afirma.

Baccarin cita o exemplo da carne para mostrar como o foco na exportação pode ter efeitos nocivos. O produto subiu 20,8% durante 2024. Isso porque os frigoríficos bateram recordes de exportação no ano, aumentando em 30% suas vendas ao exterior.

RISCOS

Carolina Bueno, economista e pesquisadora na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade da Califórnia, diz que a agricultura voltada à exportação cria riscos para o país, especialmente quanto à sua segurança alimentar. “Isso reduz a diversidade de alimentos disponíveis internamente e deixa o país vulnerável a oscilações de mercado e eventos climáticos extremos”, pondera. Outro problema, segundo ela é o efeito disso sobre meio ambiente. “Esse modelo, altamente dependente de monoculturas, está associado a pressões sobre biomas como o Cerrado e a Amazônia, intensificação do uso de agrotóxicos e degradação de solos”, diz.

com informações do Brasil de Fato