CONTRA O PRECONCEITO – O papel da educação no combate ao racismo na visão de especialistas

CONTRA O PRECONCEITO – O papel da educação no combate ao racismo na visão de especialistas

Geral CTB Geral 15/02/2022

Professores e pesquisadores acreditam que é necessário uma reconstrução do ensino das relações raciais

Os recentes e bárbaros assassinatos de dois homens negros no Brasil – Durval Teófilo Filho, 38 anos, morto na porta de casa ao ser confundido com um bandido, e o congolês Moïse Kabagambe, 24 anos, espancando até a morte por cerca de 15 minutos – refletem uma situação que acontece em todo país e são fruto de uma educação das relações raciais que precisa ser reconstruída.

É o que indicam especialistas consultados pelo Correio, que apontam que a pauta racial deve estar dentro do senso de urgência da educação, para que haja evolução e igualdade.

O diretor-presidente da Escola do Parlamento, Alexsandro Santos, explica que os temas do racismo e da educação se cruzam em três espaços. “Primeiro, quando a gente compreende que o enfrentamento do racismo precisa ser construído a partir de um processo de reeducação das nossas relações raciais. A sociedade brasileira precisa aprender sobre o que são relações sociais e sobre como a gente pode desenhar as relações raciais de igualdade”, explica.

Isso acontece porque a história do Brasil deixou sequelas profundas de desigualdades que acompanham a sociedade até hoje. Prova disso é que o risco que uma pessoa negra tem de ser assassinada no país é maior que o de uma pessoa não negra. A última edição do Atlas da Violência – levantamento elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) – revelou que o risco de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra no Brasil.

Enfrentamento ao problema precisa ser construído a partir de um processo de reeducação(foto: Arquivo Pessoal)

O caso de Durval Teófilo Filho reflete os dados, já que o repositor de supermercado foi morto pelo próprio vizinho, na porta de casa, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, na última semana, por ter sido confundido com um ladrão.

Para o professor Nelson Fernando Inocêncio da Silva, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), casos como o de Durval são mais um exemplo da construção racial desigual brasileira. “A situação racial no Brasil tem esse aspecto que é de uma constante procrastinação, por exemplo, ao debate e à discussão em nível nacional. Nós aprendemos a conviver na desigualdade. Os negros como serviçais e os brancos como aqueles que mandam. Isso tem que acabar. Porque é esse raciocínio que fez com que aquele senhor assassinasse o Durval. Ele não tinha motivo nenhum para cometer esse crime. O fez por quê? Porque ele seguiu esse raciocínio. E ele não está sozinho. Isso é uma cultura”, afirma.

Para desconstruir esse aprendizado de relações raciais, a educação é vista como um dos principais pilares e, segundo os especialistas, o combate ao racismo deve ser parte estrutural de um projeto educacional. Alexsandro Santos, que também é pesquisador e ativista das relações raciais no Brasil, explica que a educação e o racismo se cruzam quando observamos as desigualdades educacionais do país. “A gente tem dados que mostram que o racismo e a educação no Brasil andam juntos, e que o racismo impacta na garantia do direito à educação das pessoas negras”, pontua.

Desigualdade na escola

Um levantamento feito pela ONG Todos pela Educação, divulgado esta semana, apontou que o crescimento de crianças não alfabetizadas foi maior entre alunos negros e pardos do que em estudantes brancos. O estudo, feito com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou que os percentuais de crianças pretas e pardas de 6 e 7 anos de idade que não sabiam ler e escrever passaram de 28,8% e 28,2% em 2019 para 47,4% e 44,5% em 2021, respectivamente. Enquanto o aumento do índice de não alfabetização em crianças brancas foi menor. De 20,3% para 35,1% no mesmo período.

Segundo Santos, ainda que a presença de negros e brancos seja equilibrada nos primeiros anos da vida escolar, conforme os anos de escolarização avançam, é que a desigualdade vai se manifestando. “Então, eu tenho um começo que é mais ou menos equitativo, mas uma trajetória escolar que prejudica as crianças negras”, pontua. Por isso, para ele, além de pagar uma dívida histórica em relação à garantia de educação das pessoas negras, ações afirmativas, que garantem a presença de negros nos espaços de escolarização, são importantes para dar a esta população uma ferramenta para ascensão social.

 

Fonte:APLB-Sindicato