Estudo do Dieese: "Chefas" de família e a dificuldade no mercado de trabalho
Para marcar o 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgou boletim especial com as dificuldades das "chefas" de família no mercado de trabalho brasileiro. Os dados são do 3º trimestre de 2022 e mostram que a maioria dos domicílios no Brasil é chefiada por mulheres, mas elas lideram o desemprego e ganham menos que os homens. Dos 75 milhões de lares do país, 50,8% tinham liderança feminina (cerca de 38,1 milhões de famílias). As mulheres negras lideravam 21,5 milhões de lares (56,5%) e as não negras, 16,6 milhões (43,5%).
Analisando a força de trabalho no Brasil, 44% eram mulheres, grupo que lidera a taxa de desemprego com 11,0% contra 6,9% dos homens. Do total de pessoas fora da força de trabalho, 64,5% eram mulheres. Desses, 5,7% delas estavam em situação de desalento (quando a pessoa quer trabalhar, está disponível, mas acredita que não vai encontrar uma vaga). Entre os desalentados, 55,5% eram mulheres.
Do total de mulheres ocupadas, a proporção de subocupadas (que trabalharam menos de 40 horas, mas gostariam de trabalhar mais), foi superior à dos homens: 7,8% delas contra 5,1% dos homens. Entre as trabalhadoras negras, a situação é pior: o percentual de trabalhadoras negras subocupadas foi 9,3% maior do que o registrado entre as não negras, que ficou em 6,1%. A subutilização das mulheres foi de 25,3%, enquanto para os homens, foi 15,9%. Entre as negras, a taxa ficou em 30,2% e, entre as não negras, em 19,2%.
GANHAM MENOS
Algo que já vem sendo denunciado é que as mulheres também ganharam, em média, 21% a menos do que os homens: R$ 2.305 para elas e a R$ 2.909 para eles. Por setor de atividades, mesmo quando as mulheres eram a maioria, elas recebiam menos, em média. Nos serviços domésticos, as trabalhadoras representavam cerca de 91% dos ocupados e o salário foi 20% menor do que o dos homens. No grupamento educação, saúde e serviços sociais, elas totalizaram 75% dos ocupados e tinham rendimentos médios 32% menores do que os recebidos pelos homens.
FONTE DE RENDA
O estudo do Dieese mostra que, na análise da renda das chefes de família no mercado de trabalho, em média, 75,5% da fonte de renda das famílias eram oriundas do trabalho; 18,2% de aposentadoria e pensão; e 2,6%, de benefícios e programas sociais. Nas famílias que receberam até 1/2 salário mínimo, 71,1% eram rendimentos do trabalho; 13,8%, de aposentadoria e pensão; e 12,0%, de programas e benefícios governamentais.
Também cresceu o número de arranjos de casais sem filhos, núcleos unipessoais e famílias monoparentais com filhos ou parentes. Houve queda nos arranjos de casal com filhos, que passou de 43,8% para 40,2%, entre os 3º trimestres de 2019 e de 2022. Os casais sem filhos saíram de 18,3% para 19,0% nesse mesmo período.
RENDA FAMILIAR
Observando a renda média do trabalho da família, os domicílios de casais com e sem filho receberam os maiores valores (R$ 4.987 e R$ 4.898, respectivamente). Os menores valores foram registrados entre os domicílios monoparentais com chefia feminina (R$ 2.833) e unipessoais femininos (R$2.913). Mais uma vez, a renda das famílias negras foi menor que a das não negras, independentemente do arranjo familiar: a média foi de R$ 2.362,00.
A participação da renda feminina do trabalho representou, em média, 37,0% da renda do trabalho do domicílio. Quando se analisa por raça/cor, o rendimento da mulher foi de 38,2% da renda total do trabalho nas famílias chefiadas por pessoas não negras e de 36,0% entre as famílias lideradas por pessoas negras. Nos lares com chefia feminina, recebiam até 2 salários mínimos 63,9% das famílias lideradas por negras e 43,7% por não negras. É a desigualdade de gênero e raça/cor no mercado de trabalho.
SOLTEIRAS COM FILHO E NEGRAS
Segundo o estudo, os arranjos mais vulneráveis são os da chefia feminina com filhos sem cônjuge. No 3º trimestre de 2022, esse tipo de arranjo somou 11,053 milhões de famílias, 61,7% chefiadas por negras (6,8 milhões) e 38,3%, por não negras (4,2 milhões).
O Dieese mostra que, entre as famílias chefiadas por negras, 43,9% das mulheres estavam fora do mercado de trabalho (quase 3 milhões de pessoas), e, entre as lideradas por não negras, a proporção era semelhante, 44,2% (ou 1,9 milhão de mulheres. A taxa de desocupação das chefes negras foi de 13,0% e das não negras, de 8,8%. No período analisado, eram 498 mil mulheres chefes negras e 207 mil não negras.
Entre as ocupadas, uma em cada quatro (25,3%) mulheres chefes de família negras eram empregadas domésticas; 16,6% estavam na educação, saúde humana e serviços sociais; e 15,1% no comércio. Entre as não negras, 22,3% trabalhavam em educação, saúde humana e serviços sociais; 17,5%, no comércio; e 15,8%, nos serviços domésticos.
RENDIMENTO E DIREITOS
A posição na ocupação comprova a vulnerabilidade dessas chefes de família. Do total de chefes negras, 20,6% são trabalhadoras domésticas sem carteira; 15,1% trabalhavam sem carteira no setor público ou privado; e 17,6% eram autônomas sem CNPJ. Ou seja, mais da metade dessas mulheres não tem acesso a nenhum benefício trabalhista (53,3%). Entre as não negras, essa proporção era menor: 41,0%. Dessas, 11,9% eram domésticas sem carteira; 8,9% estavam no setor privado sem contrato assinado; 2,8% no setor público também sem carteira; e 17,4% eram autônomas sem CNPJ.
Por rendimento, 22,4% das famílias monoparentais chefiadas por mulheres não tinham rendimento do trabalho; 25,6% ganhavam até 1 salário mínimo; e 22,3%, entre 1 e 2 salários. A proporção de famílias chefiadas por negras que ganhavam 1 salário mínimo ou menos foi de 53,7%, enquanto ficou em 38,8% entre as lideradas por não negras, no 3º trimestre de 2022.
O rendimento médio do trabalho ficou em R$ 3.922 paras as famílias lideradas por não negras e em R$ 2.468, para as chefes negras. No caso das mulheres que estavam no trabalho doméstico (com e sem carteira), os valores foram de R$ 2.144 para as não negras e de R$ 1.720 para as negras. Entre as domésticas sem carteira, as negras ganharam R$ 1.541 e as não negras, R$ 1.883.
RETROCESSOS
Segundo o Dieese, esse quadro “faz com seja perpetuada a situação de vulnerabilidade da mulher chefe de família e dos familiares, com milhares de crianças e jovens saindo da escola para o mercado de trabalho, para contribuírem com a renda da família”.
O ógão ressalta que “os últimos anos foram de retrocessos no país, devido à falta de investimentos e políticas capazes de garantir emprego, saúde e até mesmo a vida das mulheres. O caminho para uma sociedade mais justa e com igualdade de gênero parece ter ficado ainda mais longo. A desigualdade de gênero no mercado de trabalho reproduz e reafirma esse desequilíbrio já existente em todas as esferas da sociedade, sob a forma do machismo”.
CAMINHO PARA MUDAR
Para o Dieese, "o caminho para a mudança passa por refazer pactos, reforçar políticas transversais de igualdade de gênero, garantir igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, reduzir a desigualdade econômica e aumentar o número de mulheres em posição de liderança, entre outras ações". E conclui afirmando que "é preciso que o país cresça e gere renda e emprego de qualidade, mas é necessário também enfrentar as desigualdades de gênero e raça/cor e que as mulheres tenham mais voz na sociedade, via negociação coletiva e políticas públicas”.