Tribunal internacional julga Bolsonaro por crimes contra a humanidade
O presidente Jair Bolsonaro (PL) começou a ser julgado, nesta terça (24), às 8h45 (horário de Brasília), pelo Tribunal Permanente dos Povos (TPP) por crimes contra a humanidade e violações cometidos por ele e seu governo durante a pandemia do novo coronavírus. Embora o julgamento ocorra em momento eleitoral, os organizadores salientam que encaminharam as denúncias para um julgamento anterior ao período de campanha. Por isso, esperam que o tribunal não seja contaminado pelo clima.
A Comissão de Defesa de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos (PSI), vão realizar a 50ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), dias 24 e 25 de maio, a partir das cidades de Roma (Itália) e de São Paulo (Brasil).
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A base da acusação no caso dos profissionais da saúde é a pesquisa realizada pela ISP em 2020 no âmbito da campanha “Trabalhadores e trabalhadoras protegidos salvam vidas”. Os alarmantes dados do estudo resultaram, inclusive, em uma denúncia contra Bolsonaro na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Não se deve confundir o Tribunal Penal Internacional (TPI) com o Tribunal de Justiça Internacional, órgão criado nos anos 1910, que julga especialmente os Estados, é também em Haia, o que causa a confusão. O TPI é muito mais recente e há quatro denúncias contra o atual presidente.
Instituído em Bolonha no dia 24 de junho de 1979 e agindo em consonância com os princípios da Declaração Universal dos Direitos dos Povos (Argel, 4 de julho de 1976), o TPP substituiu o Tribunal Russell II, que se seguiu ao primeiro Tribunal Russell, também conhecido como Tribunal de Estocolmo ou Tribunal Internacional de Crimes de Guerra.
Constituído pela primeira vez em novembro de 1966, o tribunal pioneiro investigou crimes cometidos na intervenção militar norte-americana no Vietnã.
O TPP tem sido uma das expressões mais ativas de mobilização e articulação em defesa da Declaração Universal dos Direitos dos Povos, com ampla participação de entidades e movimentos sociais na denúncia de violações praticadas por autoridades públicas e agentes privados. Segundo Wania Santanna, da Coalizão Negra por Direitos, o objetivo deste julgamento é criar uma “opinião crítica indignada”.
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Ainda que não tenha efeito condenatório do ponto de vista jurídico, constitui um alerta para que graves situações não se repitam e uma referência na formulação de legislações nacionais e internacionais.
Pandemia, acusação, defesa e juri
Sob o tema “Pandemia e Autoritarismo”, esta seção do TPP vai examinar violações e crimes contra a humanidade cometidos pelo presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, e seu governo, atingindo populações negras, povos indígenas e trabalhadores da área de saúde na pandemia de covid-19.
O corpo de jurados é composto por 12 personalidades e um presidente que vai ouvir as testemunhas dos casos e a acusação preparada pela advogada e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Eloísa Machado.
O Dr Antonio Claudio Mariz de Oliveira salientou que nem tudo que Bolsonaro fez para sabotar a gestão da pandemia pode ser enquadrado penalmente como crime. Por isso, ele considera que é preciso julgá-lo também por suas posturas irresponsáveis e “barbaridades ditas” em meio a uma emergência sanitária letal para 665 mil brasileiros.
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Segundo o ex-ministro de Direitos Humanos e integrante da Comissão Arns, Paulo Sérgio Pinheiro, o governo de Jair Bolsonaro terá direito de defesa, mas ainda é incerto que o Planalto envie algum representante.
“A ata de acusação foi entregue ao embaixador do Brasil na Itália, remetida ao ministro das Relações Exteriores e ao presidente da República. Nós guardamos um espaço de 50 minutos para a defesa do presidente. Se o governo não indicar – esperamos que indique –, o secretário-geral do Tribunal nomeará um relator para apresentar a defesa dos atos indicados pela acusação.”
Ao ser questionado se Bolsonaro poderia ser responsabilizado por eventuais crimes cometidos em sua gestão, o ex-ministro foi cético, devido à atuação da Procuradoria Geral da República (PGR), que permite que as acusações sejam examinadas. Mas ele acredita que ao sair do governo isso possa acontecer. No âmbito internacional, os precedentes também apontam para um processo de anos.
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“Um exemplo disso é o total pouco caso com as denúncias da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a covid, o procurador-geral da República não fez absolutamente nada. Não é um exagero, ele não fez rigorosamente nada. As instituições não estão funcionando, o que ajuda essa escalada para o golpe do Estado com que sonha o presidente da República”, pondera.
O portal Vermelho participou da entrevista de instalação do Tribunal e questionou como a CPI do Senado teria contribuído para a peça jurídica. Segundo Eloísa, várias descobertas do relatório final da CPI vão integrar a ata de acusação, como a desestruturação do Ministério da Saúde e a criação de um gabinete paralelo, a resistência na aquisição de vacinas que se revelou uma brecha para corrupção, os pronunciamentos contra os protocolos sanitários de distanciamento social e a mobilização do estado para prescrever remédios ineficazes para a doença, enquanto em cidades como Manaus, as pessoas morriam asfixiadas pela falta de oxigênio hospitalar.
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O corpo de jurados é composto por 12 personalidades e um presidente que vai ouvir as testemunhas dos casos e a acusação preparada pela advogada e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Eloísa Machado.
Segundo o ex-ministro de Direitos Humanos e integrante da Comissão Arns, Paulo Sérgio Pinheiro, o governo de Jair Bolsonaro terá direito de defesa, mas ainda é incerto que o Planalto envie algum representante. Caso isso não ocorra, a defesa será feita a partir de documentos oficiais do próprio governo.
“A ata de acusação foi entregue ao embaixador do Brasil na Itália, remetida ao ministro das Relações Exteriores e ao presidente da República. Nós guardamos um espaço de 50 minutos para a defesa do presidente. Se o governo não indicar – esperamos que indique –, o secretário-geral do Tribunal nomeará um relator para apresentar a defesa dos atos indicados pela acusação.”
A sustentação da acusação será feita por Eloísa Machado, advogada integrante da Comissão Arns e professora de Direito Constitucional da FGV Direito – São Paulo; Maurício Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; Sheila de Carvalho, advogada da Coalizão Negra por Direitos.
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O júri da 50ª edição será com posto por doze especialistas internacionalmente reconhecidos nas áreas de direito, das ciências sociais e em saúde global.
O tribunal será presidido pelo eminente Luigi Ferrajoli, professor catedrático da Universidade de Roma; Sir Clare Roberts, ex-ministro da Justiça, ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e ex-juiz da Corte Suprema do Caribe Leste; Alejandro Macchia, médico sanitarista e epidemiologista; Eugenio Raul Zaffaroni, ex-membro da Corte Suprema e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, OEA, Washington; Joziléa Kaingang, líder indígena, antropóloga social; Kenarik Boujikian, ex-desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo; Rubens Ricupero, embaixador, ex-ministro, ex-secretário geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad); Vercilene Dias Kalunga, líder quilombola, advogada; Baronesa Vivien Stern, membro da Câmara dos Lordes, especialista em direito criminal e direitos humanos; Nicoletta Dentico, jornalista, escritora e consultora em saúde global; Boaventura de Sousa Santos, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra; Luís Moita, professor catedrático da Universidade Autônoma de Lisboa, especialista em estudos da paz e da guerra; Jean Ziegler, professor de Sociologia da Universidade de Genebra, ex-deputado, ex-relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
PROGRAMA
Dia 24 de maio
8h45 – Abertura
9h30 – Início da sessão com apresentação da Ata de Acusação, seguida de depoimentos e inquirição de testemunhas
Dia 25 de maio
8h45 – Abertura
9h30 – Depoimentos e inquirição de testemunhas
COMO ASSISTIR
Os atos presenciais da 50ª Sessão
O TPP convocou dois atos presenciais no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP (Largo de São Francisco, 95, Centro, SP, primeiro andar), nos dias 24 e 25 de maio, das 8h45 às 13h30. O secretariado-geral do tribunal, em Roma, atuará de forma remota, assim como o júri internacional.
A entrada é ABERTA AO PÚBLICO, gratuitamente, sem necessidade de inscrição prévia, seguindo as medidas sanitárias da universidade, com espaçamento entre cadeiras, apresentação do comprovante de vacinação anti-Covid e uso de máscaras (modelo cirúrgico ou PFF2). Pede-se a chegada antecipada, a partir das 8h. A Sala dos Estudantes da faculdade, localizada no piso térreo, também transmitirá o tribunal.