Antidiplomacia bolsonarista deve ser responsabilizada pelo atraso nas vacinas, avalia ex-embaixador
Coronavírus CTB Geral 20/01/2021
A viabilidade de uma ampla campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil passou a depender de uma das mais problemáticas agendas do governo de Jair Bolsonaro: as relações exteriores.
China e a Índia, duas potências orientais com relacionamentos diferentes com o governo brasileiro, mantêm sob custódia, respectivamente, os insumos para a produção das duas vacinas aprovadas para uso emergencial no Brasil e 2 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca, que já deveriam estar em solo nacional se não fosse o fracasso da operação coordenada pelo chanceler Ernesto Araújo.
Na análise do diplomata Paulo Roberto de Almeida, os dois países devem colaborar, em breve, para que o prosseguimento da vacinação seja viável no Brasil. No entanto, fica um recado vindo especialmente da China, alvo preferido da bravata ideológica de Araújo em seus alinhamentos com a extrema-direita mundial: as relações estão estremecidas, e os chineses sabem bem qual é o lado mais forte da balança.
Almeida, que se considera um “dissidente” do Itamaraty, foi demitido, em 2019, da diretoria do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), integrado ao Ministério, por publicar textos críticos em seu blog pessoal. Hoje, atua também como professor de Economia Política na pós-graduação de Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Na terça-feira 19, a Índia indicou países vizinhos prioritários para a exportação de vacinas produzidas em seu território – uma das maiores plantas farmacêuticas do mundo – e não citou o Brasil. Na lista, estão países vizinhos e aliados estratégicos do país.
Almeida afirma que a diplomacia indiana foi educada no trato com o Brasil, e que quaisquer ilusões de Bolsonaro com o primeiro-ministro Narendra Modi, também de direita, deveriam considerar o nacionalismo indiano. A vacinação no país asiático – que tem mais de 1,3 bilhão de habitantes – acabou de começar. Exportar doses para o Brasil, portanto, não seria bem visto entre os indianos.
“O chanceler indiano sinalizou por três vezes que havia dificuldades em exportar a vacina. Ele foi muito diplomático, pois isso causaria um enorme problema para Modi no plano interno. O Modi recebeu Bolsonaro no dia da Independência indiana com todas as honras, mas ele é um nacionalista ao velho estilo. Não tem nada a ver com ‘anti-globalismo’ de Araújo.”, afirma o diplomata.
Fonte:Carta Capital