Fora da curva: por que as pesquisas passaram longe dos resultados

Fora da curva: por que as pesquisas passaram longe dos resultados
Da entrevista até o clique na urna ,eleitor pode ser influenciado por fatores por fatores diversos, diz Datafolha . Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Geral CTB Geral 02/12/2020

Taxas de pesquisa em véspera de eleição não podem ser comparadas com o resultado final. No espaço de tempo entre a entrevista com o eleitor e a sentença nas urnas, muitos fatores podem aparecer no caminho: o noticiário, o cancelamento de um debate – e até o resultado do próprio levantamento.

Foi assim que o instituto Datafolha justificou a CartaCapital as diferenças entre as pesquisas de intenção de voto e os resultados das eleições municipais deste ano.

As diferenças ultrapassaram significativamente a margem de erro em algumas capitais.

Em Fortaleza, no Ceará, o Datafolha indicava em 28 de novembro uma vantagem catorze pontos percentuais para José Sarto (PDT), o candidato de Ciro Gomes, contra Capitão Wagner (PROS), o favorito do presidente Jair Bolsonaro: 57% contra 43%.

No dia seguinte, Sarto venceu, mas por pouco: 51,7%, contra 48,3%.

Na briga entre os primos do Recife, o Datafolha previa um empate que não se cumpriu. Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB) tinham ambos dos 50% dos votos válidos. dez dias da eleição, a petista liderava com 55%; três dias antes, tinha 52%. Terminou a corrida com 43,7%.

Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha, diz que a avaliação interna do instituto sobre o desempenho das pesquisas é positiva – em ambos os turnos. “No 1º, indicamos todos os candidatos que passariam para o 2º turno e mostramos onde a disputa seria resolvida já no 1º. No 2º, também identificamos os vitoriosos.”

As únicas pesquisas que podem ser comparadas aos resultados oficiais, argumenta, são as de boca de urna, realizadas depois do voto. Os levantamentos anteriores registram movimentos. No Recife, por exemplo, Janoni afirma que o Datafolha fotografou uma tendência que se manteve até o momento do voto, com a curva descendente de Marília Arraes e o crescimento de João Campos.

No caso do Ibope, os resultados das pesquisas feitas pouco antes das eleições não se confirmaram em 15 de 26 cidades. Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi preciso pedir desculpas pela surpresa.

Se considerados os percentuais da véspera, era para Manuela D’Ávila (PCdoB) ter vencido Sebastião Melo (MDB) por 51% contra 49%. Porém, mais do que o resultado não confirmado, o Ibope também não acertou a tendência de virada para Manuela, que na pesquisa anterior aparecia em 2º lugar, com 46% dos votos válidos.

“A pesquisa divulgada no dia 24 se mostrou muito mais próxima do resultado oficial, e a última pesquisa divulgada no sábado realmente não teve um resultado bom. A gente, inclusive, pede desculpas para os porto-alegrenses”, afirmou a CEO do Ibope, Márcia Cavallari, à Rádio Gaúcha.

 

Manuela D’ávila deveria ter vencido eleição de virada em Porto Alegr, se tendência  do Ipope fosse confirmada . Foto reprodução

Em Vitória, no Espírito Santo, as urnas não confirmaram nem o empate, nem a tendência de virada.

Na véspera, o Ibope dava 50% para os dois candidatos, João Coser (PT) e Delegado Pazolini (Republicanos). O número representava crescimento para o petista, que dias antes tinha 47%. No fim, Pazolini foi eleito com 58,47% dos votos.

Se voltarmos a Fortaleza, a vantagem que o Ibope deu a Sarto Nogueira na véspera foi ainda maior que a estimada pelo Datafolha: 61% contra 39%. Uma diferença de 10 pontos percentuais em relação à apuração final.

Para cada caso, o Ibope tem um posicionamento.

Em Porto Alegre, o instituto alega que a pesquisa de 28 de novembro “indicava indefinição” sobre o 2º turno. Lembra que, no mesmo estudo, apontou 9% de eleitores que poderiam mudar o voto e 9% de indecisos, “informações que evidenciam que mudanças poderiam acontecer de última hora”.

Outro argumento é o não comparecimento de 33% dos votantes no 2º turno, mais de 1/3 na capital, “número superior ao observado em eleições municipais anteriores”.

Na capital capixaba, o Ibope diz ter detectado 10% de eleitores que poderiam mudar de voto. A cidade também teve alta abstenção, de 26%, índice também descrito como superior às disputas municipais passadas.

No Recife, 16% dos eleitores não sabiam em quem votar, e 11% afirmavam que ainda podiam mudar de voto – e esses números também estavam na última pesquisa do Ibope, diz nota. A taxa de ausência às urnas foi de 21%.

Nessas três cidades, o Ibope diz que “as pesquisas não têm a intenção de prever o futuro”. Também aponta a dificuldade em mensurar o impacto do coronavírus na abstenção: “Não é possível compreender o impacto do perfil do eleitor que deixou de comparecer às urnas, em função da pandemia, no índice dos candidatos”.

Em Fortaleza, o Ibope admite a estimativa fora da margem de erro, mas diz que os números “mostraram tendência de vitória” do candidato do PDT. “Importante ressaltar que a coleta dos dados deste último levantamento foi finalizada antes da realização do último debate – e apontava que 13% do eleitorado poderia mudar seu voto até o dia da eleição”.

Nem o Ibope e nem o Datafolha dizem se farão ou não mudanças metodológicas.

Segundo o Datafolha, como a pandemia produziu “fenômenos atípicos”, os pesquisadores vão esperar os próximos anos para “checar eventual manutenção desses parâmetros e eventuais revisões metodológicas no futuro”.

O Ibope, por sua vez, diz que os percentuais obtidos refletem “fielmente” o que foi ouvido dos entrevistados. “Além do rigor estatístico, a empresa tem suas normas certificadas e cumpre rigorosamente os códigos de autorregulação e ética da Associação Mundial de Profissionais de Pesquisa.”

Para o cientista político Jairo Pimentel, professor na Fundação Getúlio Vargas (FGV),  as pesquisas deste ano apresentaram um “erro fora da curva”. Na maioria das vezes as estimativas estiveram corretas, avalia. Mas no 2º turno a tendência de acerto deveria ser ainda maior, já que há apenas duas opções de voto.

“Chama muito a atenção esses erros terem acontecido no segundo turno. No primeiro também houve vários problemas, mas no 2º é muito mais difícil errar. Não me lembro de um segundo turno que tenha tido tantos erros como esse”, afirma o professor, especialista em pesquisas de intenção de voto e comportamento eleitoral.

Então, o que deu errado?

Do ponto de vista matemático, diz Pimentel, não há problemas metodológicos nas pesquisas brasileiras. No caso das eleições de 2020, Pimentel não atribui as distorções dos dados às falhas dos institutos, mas à pandemia e, especialmente, à forma como os próprios eleitores percebem a política brasileira.

Ele observa, contudo, uma tendência de aumento na dificuldade em captar as mudanças do eleitorado. A começar pela forma de entrevistá-los. Nos Estados Unidos, institutos trocaram a abordagem cara a cara por entrevistas por telefone e internet, mais ágeis e mais baratas. Em algumas regiões do País, contudo, as pessoas podem se recusar a receber essas ligações – ou sequer ter acesso a computadores ou celulares.

O Brasil, prevê, pode enfrentar um problema parecido no futuro. Os institutos mais respeitados ainda preferem o modelo face a face, mas esse método fica cada vez mais caro. As pesquisas via telefone estão autorizadas desde 2018.

Também há em jogo uma espécie de ‘voto envergonhado’. Nos Estados Unidos, os institutos de pesquisa tiveram dificuldades em prever o resultado das eleições porque, para analistas, parte dos eleitores de Donald Trump não queria admitir em público que votaria nele. Já no Brasil, segundo Pimentel, os eleitores têm dificuldades em assumir sua falta de identificação com os partidos.

Desde a década de 1990, o brasileiro vêm escolhendo seus candidatos mais tarde. Na ditadura militar, destaca o professor, havia altos índices de identificação partidária entre a Arena ou o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).  Já no pluripartidarismo da redemocratização, embora o PMDB e o PT tenham liderado esse ranking em períodos distintos, houve um declínio.

Para o professor, o auge desse processo se manifesta nos altos índices de abstenção deste ano.

“As referências se perderam no decorrer do tempo. Isso é, em parte, culpa dos novos meios de comunicação, sobretudo das campanhas de TV. As informações da internet abastecem o eleitor com fatos contraditórios a todo momento.”

Na prática, é como se as abstenções mostrassem que o candidato não deve apenas ser melhor que o adversário, mas também superar a desilusão dos eleitores.

“Essa pressão dificulta a sustentação de uma relação de longo prazo com um partido ou uma liderança, o que torna o eleitor mais suscetível ao impacto do curto prazo”, completa.

Segundo Pimentel, esse sentimento generalizado impactou as coletas dos dados, porque há certa vergonha em assumir que não pretende ir à urna. Apesar de ser um direito, o voto obrigatório é encarado como um dever cívico, o que sugere ao eleitor que negar-se a esse papel é um ato reprovável.

“Isso gera muita distorção. Por mais que se pergunte: ‘você vai votar para prefeito?’, e filtre o resultado somente para aqueles que dizem que vão votar, como o Ibope e o Datafolha fizeram, as pessoas muitas vezes ficam constrangidas em admitir isso. É o que a gente chama de ‘pergunta sensível’, porque as pessoas tendem a dar respostas mais politicamente corretas”, diz o professor.

Isso é um problema não só para as pesquisas eleitorais, avalia, mas para a democracia.

Mesmo com o voto compulsório, parcela dos brasileiros já age como se expressar sua vontade nas urnas não fosse um ato obrigatório. Aferir um comportamento político mais sólido do eleitor, segundo ele, demandaria convencê-lo a ter uma posição mais assertiva, algo que não é papel das pesquisas.

“Talvez as pesquisas não sejam o melhor instrumento para captar essas mudanças de última hora. Mas ainda são as melhores ferramentas para captar tendências, a estrutura do voto, quem vota mais em um candidato, se são pobres, ricos… O resultado da urna será cada vez mais difícil de acertar, dadas as mudanças em curtíssimo período. A não ser que a gente comece a reestruturar o nosso sistema partidário e os eleitores passem a olhar para as candidaturas a longo prazo”, completa.

Repercussão entre os políticos 

A distância entre sondagens e resultados também alimenta desconfianças e narrativas de descrédito entre políticos.

É o caso de Marcelo Crivella (Republicanos). Derrotado com a pior votação para um candidato do 2º turno na história do Rio de Janeiro, o ex-prefeito passou sua campanha defendendo a tese de que levantamentos de intenções de voto expressam mais as “paixões” dos organizadores do que a opinião da população. Crivella rebatia dados do instituto Real Time Big Data, que apontava 68% de rejeição à sua candidatura. Em 11 de novembro, o Datafolha havia mostrado 62%. “Conversa fiada, isso é papo furado”, disse à CNN Brasil, em 17 de novembro.

“É mais ou menos o seguinte. Imagine que um matemático diga que nós podemos construir um prédio com 100 operários em dois anos. Com 200 operários, vamos construir em um ano. Com 400 operários, em seis meses. E chega um momento que ele diz: com cinco mil operários, vamos construir em um minuto. Ora, a matemática não funciona dessa maneira. Aritmeticamente, você pode dizer que sim. Mas não é factível.”

Em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) parecia contar com a possibilidade de as taxas das vésperas não reproduzirem o resultado final. Boulos não instilou teorias difamatórias. Mas, confiante na virada, relativizou as tendências de derrota expressas nas pesquisas. O Datafolha apontava 45% para o candidato do PSOL na véspera; Ibope, 43%. Boulos terminou perdendo com 40,6%.

“No 1º turno, as pesquisas na véspera nos mostravam empatados em 2º lugar. Terminamos com 20% dos votos, a sete pontos de [Márcio] França e com o dobro de [Celso] Russomanno. Aconteceu com [Luiza] Erundina em 88, vai acontecer de novo amanhã. A esperança vai vencer e vamos virar o jogo em SP!”, escreveu no Twitter, em 28 de novembro.

Pimentel rejeita, contudo, os argumentos de Crivella. Primeiramente, porque há maior precisão as teorias são de probabilidades e não de aritmética. Como em um exame de sangue, diz, a amostra indica um diagnóstico geral.

 

Para Marcelo Crivella (Repuplicanos) pesquisa eleitoral é "papo furado". Foto: Reprodução

Para entender como as pesquisas modernas funcionam, Pimentel lembra o surgimento desse modelo de medição, na década de 30, pelo estatístico estadounidense George Gallup, fundador do instituto Gallup. À época, conta o professor, Gallup estimou a vitória de Franklin Roosevelt nas eleições de 1936. Suas previsões contradiziam as enquetes da revista Literary Digest, que davam vitória a Alf Landon. Mas, com uma amostra bem menor, Gallup acertou a vitória e o resultado.

O retrato das escolhas do eleitor é melhor, portanto, quando a metodologia garante a qualidade da representação dos entrevistados. A tradição de Gallup, aliada a estudos na Universidade de Columbia, popularizou-se no mundo inteiro.

Fundado em 1942, o Ibope é pioneiro em pesquisas de comportamento político e de mercado no Brasil. O mercado tem hoje diversos institutos dedicados a esses estudos. Para inibir a circulação de números tortos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) filtra e certifica a credibilidade dos registros de pesquisa.

 

Fonte:Carta Capital