Direito à cidade é negado a muitos. Como garantir o acesso a ele?

Direito à cidade é negado a muitos. Como garantir o acesso a ele?
Brasil de Fato

Geral CTB Geral 12/10/2020

A Rede BRCidades, que integra a Frente Brasil Popular, pretende construir uma agenda de propostas para a organização das cidades brasileiras. A iniciativa pretende se juntar a outras frentes e levar em conta os problemas estruturais que perpetuam exclusões sociais nos centros urbanos.

Uma das proposições levantadas é a garantia da função social da terra e do meio ambiente como bens comuns e investimentos públicos nas periferias e favelas, assim como o acesso à cultura, segurança e saúde.

O tema do direito à cidade é tratado em entrevista com Marcelo Leão, advogado, bacharel em direito pela Universidade Federal do Ceará (1995) e mestrando em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina.

Ele também é membro do Instituto Gentes de Direito, sediado em Florianópolis/SC (IGENTES) e integra o coletivo de coordenação do Núcleo de Santa Catarina do BrCidades, além de ser conselheiro Regional-Sul do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.

Segundo ele, as eleições municipais são um momento importante para tornamos as cidades mais inclusivas para todos e uma das formas é votar em candidatos que não só conheçam o Estatuto da Cidade como também tenham proposta para este campo.

“Eu poderia dizer que a palavra senha é: cidades democráticas; gestões populares; administrações populares.. Esses termos são sinônimo de democracia e inclusão social. São, digamos, a senha para estarmos diante de um candidato comprometido com a plataforma do direito à cidade”, afirma.

Confira abaixo a entrevista.

Qual o significado do “direito à cidade”?

O direito a cidade é, em resumo, um direito que cabe a todos e a todas de participar de processos de produção e fruição do espaço urbano. Ninguém pode ser excluído desse processo, especialmente, as minorias e os que vivem nas periferias das cidades.

No plano do instituído, nós podemos traduzir isso a partir do Estatuto da Cidade, no qual, na nossa Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001, coloca o Direito à cidade como o direito à terra urbana, moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras gerações.

Contudo, o mais importante é que seja introjetado a ideia de direito à cidade para além do direito. Ele também é uma filosofia, uma posição política, que deve ser utilizada em contraponto àquela visão da cidade que é tratada como mercadoria, aquela cidade que é produzida para dar acesso a bens e serviços públicos e a fruição do espaço só por algumas pessoas ou por determinadas classes sociais.

Nesse sentido enquanto filosofia, enquanto uma posição, enquanto uma concepção de cidade que deve disputar com essa visão de cidade-mercado, que provém de uma ideologia capitalista na produção do espaço urbano, a gente tem que assimilar essa ideia de direito à cidade, o direito de todos os habitantes presente e futuros, permanentes e temporários de habitar, usar, ocupar, produzir, governar e desfrutar de forma justa e inclusiva segura e sustentável, as cidades, vilas e assentamentos humanos.

Isso porque a cidade é o bem comum, ela é essencial para uma vida plena e decente como diz a plataforma global pelo direito à cidade, e esse conceito foi trabalhado a mil mãos, por “n” pensadores, militantes, estudiosos e ativistas da temática.

Você pode pontuar quem são essas pessoas que têm esse direito violado atualmente?

É bom lembrar, primeiro, que existe uma disputa de narrativa, ideológica, importante e válida. Se eu considero o sentido e a necessidade de superar essa cidade-mercado, lutar contra essa visão excludente de cidade é uma luta que vale.

No entanto, no momento em que a gente trás essa posição para um plano legal, por exemplo, do Estatuto da Cidade, que é uma lei importantíssima, que regula a política urbana brasileira, vamos notar que ela é uma lei que muitas vezes “não pega” e “não pega” por conveniência de grupos econômicos, que produzem a cidade e, de fato, contribuem para a violação do direito à cidade para a maior parcela da população que vive nelas e que vive elas.

Nesse ponto, podemos exemplificar quem são as pessoas que sofrem violações: é o povo preto e pobre das periferias, é o povo LGBTQ+, as comunidades tradicionais, os pescadores, os caiçaras, os trabalhadores da agricultura urbana e periurbana.

Enfim, toda a classe trabalhadora espoliada e explorada, a mesma classe que é explorada pelo capitalismo acaba sendo alvo da violação do direito à cidade, porque elas são tratadas no âmbito do espaço urbano da mesma forma que o exército de reserva é tratado no âmbito do capitalismo.

A violação ocorre a partir do momento em que a gente vive o capitalismo? São as ações do capitalismo que excluem determinadas pessoas? É o Estado?

A violação do direito à cidade quando praticada no âmbito do Estado, ela ocorre, justamente, quando o Estado atua como lugar-tenente do modo de produção capitalista, quando ele está à serviço como instituição, que trabalha patrocinada pelo capitalismo. De forma geral, no sentido político é isso: quando prevalece a ideologia da cidade-mercado sobre o direito à cidade.

Em termos práticos, ela ocorre quando há uma leitura, justamente, contrária do conceito de direito à cidade, que é quando há uma negação do direito à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao lazer.

De forma prática é olhar para a cidade e ver que eu não tenho saneamento básico, que eu ando em um ônibus lotado, que eu preciso me deslocar por quatro horas do meu bairro até o meu trabalho, nesse transporte público que a classe trabalhadora realiza cotidianamente.

Outra forma é quando estou, condenado, aos fins de semana de ficar preso no meu bairro porque cortam as linhas de ônibus para que o trabalhador possa usar o transporte coletivo e fique impedido de acessar toda as áreas da cidade.

Então, o direito à cidade é violado a cada momento e a cada ação ou omissão do poder público que impede que eu possa usufruir a cidade, que eu possa gozar e dispor de tudo o que a cidade oferece para as classes mais privilegiadas e para as classes que não são privilegiadas.

Como tornamos as cidades mais justas e mais democráticas?

Se a gente decidir seguir com essa opção política [do governo federal] nas eleições municipais, a gente vai ver – para quem não viu ainda – o tamanho da catástrofe, porque é na cidade que a gente sente na pele, boa parte, para não dizer a maioria dos efeitos perversos que decorrem da negação de direitos.

Algo que também é muito importante pontuar e lembrar é que aquela definição que a plataforma global pelo direito à cidade adota, promove e patrocina, ela fala que é um direito da população que vive na cidade, os habitantes permanentes e os que vivem a cidade, os habitantes temporários. Esse direito se estende e se consolida no momento em que a gente adota a democracia participativa e direta na gestão da cidade. Logo, o direito de governar de forma inclusiva, plural e transparente.

Como vamos conseguir isso em um governo que não prima pelo diálogo e pela democracia e pela participação social? Eu desafio as pessoas a me apontarem um governo de direita ou de extrema direita, que está disposto a ter um diálogo realmente franco e não patrimonialista e que ponha o interesse de uma maioria acima do interesse de uma minoria ou dos interesses de negócios ou do capitalismo.

Como identificar, então, candidatos à prefeitura que sejam comprometidos com essas demandas?

Para quem tem conhecimento dos seus direitos urbanos, uma boa estratégia é olhar para esse candidato e dizer: candidato ou candidata a prefeito ou vereador e vereadora – não podemos esquecer o legislativo que também é fundamental – e perguntar para ele ou para ela: – Você conhece o Estatuto da Cidade? Você sabe o que é essa lei? E o que você tem a dizer acerca do direito à gestão democrática e participativa das cidades?

O que tem no seu programa que garanta a participação e o controle social da população na formulação, execução e no acompanhamento dos diversos planos, programas e projetos de governo?

No entanto, se você não tem acesso à informação para fazer uma elaboração a partir do que diz o Estatuto da Cidade, vale visitar as plataformas do BRCidades.

As redes e núcleos do BRCidades têm promovido no país uma campanha para que as pessoas trabalhem o comprometimento e levem a ideia do direito à cidade.

Existem cartas, existem manifestos, que os núcleos vêm desenvolvendo e não só o BRCidades, vários outros movimentos urbanos e acredito que todo cidadão antes de pesquisar quem é candidato ou candidata à prefeitura ou a cargo de vereador ou vereadora deveria procurar onde há manifesto escrito sobre o direito à cidade e dar uma lida e colocá-lo na frente do candidato ou candidata e saber o que ele ou ela fará a respeito disso.

Além do BR Cidades há outras fontes como o Movimento de Moradias, o Fórum Nacional da Reforma Urbana tem uma posição à respeito; o movimento ambientalista; o movimento pela mobilidade; o movimento de juventude; o movimento de cultura; o movimento LGBTQ, o movimento negro.

Procurem candidatos que abram o verbo para dizer que estão lutando por uma cidade inclusiva. Poderia dizer que a palavra senha é: cidades democráticas; gestões populares; administrações populares. Esses termos são sinônimo de democracia e inclusão social. São a senha para a gente ver que estamos diante de um candidato comprometido com a plataforma do direito à cidade.

 

Via: Portal Vermelho