Volks faz acordo de R$ 36 milhões para indenizar vítimas da ditadura

Volks faz acordo de R$ 36 milhões para indenizar vítimas da ditadura
Foto: Volkswagen

Geral CTB Geral 25/09/2020

A informação foi divulgada pela imprensa alemã nesta quarta-feira (23). Segundo o jornal Süddeutsche Zeitung e as emissoras estatais NDR e SWR, o acordo de compensação será assinado pela companhia nesta quinta-feira em São Paulo. No Brasil, a decisão foi anunciada em nota pública conjunta do Ministério Público Federal em São Paulo, do MPE-SP e do MPT. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado entre as três instituições e a montadora alemã.

O acordo vai encerrar três inquéritos civis que tramitam desde 2015 para investigar o assunto. Ao longo das apurações, os MPs identificaram a colaboração da Volks com o aparato repressivo do governo militar a partir de milhares de documentos reunidos, informações de testemunhas e relatórios de pesquisadores. 

Em 2014, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade enumerou 53 empresas, de diversos portes, que contribuíram com o golpe de 1964 e o período de ditadura militar. Algumas delas são Johnson & Johnson, Esso, Pirelli, Texaco, Pfizer e Souza Cruz.

Relatório alemão

Em 2017, um relatório de 406 páginas, contratado pela própria empresa, e feito pelo historiador alemão Christopher Kopper, apontou que a filial brasileira da VW espionou funcionários com interesse de descobrir opiniões políticas e documentou essa ação por escrito. A documentação era periodicamente compartilhada com o Departamento de Ordem Política e Social, o Dops. 

O documento não abordou quão profundo seria o conhecimento da sede da montadora, em Wolfsburg, na Alemanha, sobre as atividades da filial brasileira. Porém, uma análise extensa de documentações, realizada por Kopper, sugeriu que a sede tomou conhecimento desses atos o mais tardar em 1979.

O historiador da Universidade de Bielefeld, afirmou que o acordo desta quinta-feira será histórico. “Será a primeira vez que uma companhia alemã aceita sua responsabilidade por violações de direitos humanos contra seus próprios funcionários por eventos que ocorreram após o fim do nacional-socialismo”, disse o especialista aos veículos alemães.

Em sua reportagem, o Süddeutsche Zeitung aponta que a decisão é “um sinal importante, justamente porque o presidente ‘populista de direita’, Jair Bolsonaro, já glorificou a ditadura militar da época”. “Para os trabalhadores da fábrica, significa uma justiça pela qual eles tiveram que esperar por décadas”, completou o jornal.

Em nota, a Volkswagen afirma que lamenta as violações ocorridas no passado. “Para a Volkswagen AG, é importante lidar com responsabilidade com esse capítulo negativo da história do Brasil e promover a transparência”, escreveu Hiltrud Werner, membro do Conselho de Administração da Volkswagen para assuntos jurídicos. 

 A montadora afirmou que, com o acordo, quer “promover o esclarecimento da verdade sobre as violações dos direitos humanos naquela época”, e que foi “a primeira empresa estrangeira a enfrentar seu passado de forma transparente” durante a ditadura.

Relatório brasileiro

“A Volks teve um papel ativo. A montadora não foi obrigada a isso. Eles fizeram parte porque queriam”, escreveu Guaracy Mingardi, perito que assinou o documento do MPF, em 2017. O documento revelou ainda que o departamento de segurança da montadora permitiu a prisão de funcionários dentro de suas fábricas, mesmo sem mandados.

O inquérito apurou que seis trabalhadores foram presos e, ao menos um, foi torturado na fábrica no ABC paulista. É o caso do metalúrgico Lúcio Bellentani, morto no ano passado, aos 74 anos, responsável pelo relato impressionante de sua prisão no dia 28 de julho de 1972 dentro da própria fábrica. Agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) o levaram para uma sala reservada e o agrediram com socos e pontapés. Com a anuência da empresa, foi levado para a prisão, onde permaneceu durante um ano e meio. 

Lúcio Bellentani

Memória e verdade

Pelo TAC, R$ 16,8 milhões vão ser doados à Associação Henrich Plagge, que reúne os trabalhadores da Volkswagen. O dinheiro vai ser repartido entre os 60 ex-funcionários que foram alvo de perseguições por conta de suas opiniões políticas. Tais critérios foram definidos por um árbitro independente perante a supervisão do Ministério Público do Trabalho.

Fora o valor mencionado acima, outros R$ 10,5 milhões irão reforçar políticas de Justiça de Transição, um conjunto de medidas aderidas para a luta contra o passado ditatorial, “como projetos que resgatam a memória sobre as violações aos direitos humanos e a resistência dos trabalhadores na época”.

O projeto Memorial da Luta por Justiça, desenvolvido pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política (NPMP), é uma dessas iniciativas e receberá R$ 6 milhões, valor que será suficiente para concluir a implantação na sede da antiga auditoria militar em São Paulo.

Outros R$ 4,5 milhões serão destinados à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para financiar novas pesquisas sobre a colaboração de empresas com a ditadura e também para a identificação das ossadas de presos políticos que foram encontradas em uma vala clandestina no cemitério de Perus, zona oeste da capital paulista, em 1990. 

A Volkswagen também se obrigou a pagar R$ 9 milhões aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos. Além disso, a empresa também vai publicar em grandes jornais uma declaração pública sobre o assunto.

Um relatório sobre os fatos investigados ainda é previsto pelo TAC e será publicado pelos ministérios públicos, e a companhia também apresentará sua manifestação jurídica sobre o caso. As medidas estão previstas para até o fim deste ano e devem ser cumpridas logo que os órgãos de controle do MPF e do MP-SP confirmarem o arquivamento dos inquéritos. Os desembolsos financeiros acordados estão com estimativa de serem efetuados em janeiro de 2021. 

 

Com informações da assessoria do MPF-SP e da DW Brasil