Descoberto o primeiro remédio contra a covid-19 que pode salvar vidas

Descoberto o primeiro remédio contra a covid-19 que pode salvar vidas
Farmacêutico mostra um frasco de dexametasona.YVES HERMAN / REUTERS

Coronavírus CTB Geral 17/06/2020

Seis meses depois do início da pior pandemia do século XXI, que já matou quase meio milhão de pessoas no mundo todo, pesquisadores no Reino Unido afirmam ter encontrado o que por enquanto é o primeiro tratamento capaz de evitar mortes por covid-19: a dexametasona.

Os responsáveis pelo ensaio clínico Recovery, realizado no Reino Unido com mais de 11.000 pacientes, informaram nesta terça-feira que essa droga reduz a mortalidade entre os doentes muito graves, que precisam de respiração assistida, e também entre aqueles que necessitam de oxigênio. O medicamento não demonstrou benefícios entre pacientes com casos mais leves de covid-19.

Segundo os responsáveis pelo estudo, a dexametasona pode evitar uma de cada oito mortes entre os pacientes mais graves e salvar uma vida de cada 25 entre aqueles que recebem oxigênio. Esses resultados ainda são preliminares, mas os responsáveis pelo trabalho disseram que em breve os publicarão em uma revistas científicas devidamente revisada por especialistas independentes.

Em todo ensaio clínico há um comitê de especialistas independente, que revisa os dados provisórios e se encarrega de interrompê-lo caso se detecte que um medicamento possui benefícios, para que este comece a ser administrado imediatamente a todos os pacientes. Foi o que aconteceu no dia 8 durante o estudo Recovery, que está analisando vários tratamentos contra a covid-19 entre mais de 11.000 pacientes em 175 hospitais no Reino Unido.

A dexametasona é uma droga bastante conhecida ? foi descoberta em 1957 ? e barata. É um corticosteroide com efeitos anti-inflamatórios e um supressor da resposta imunológica que é usado contra fortes reações alérgicas e doenças autoimunes, como a artrite reumatoide. A Organização Mundial da Saúde(OMS) o considera um medicamento essencial para qualquer sistema de saúde.

Este braço do ensaio britânico analisou 2.104 infectados que foram selecionados aleatoriamente para receber essa droga. Sua progressão foi comparada à de 4.321 pacientes que receberam os cuidados habituais contra a covid-19. A mortalidade entre os que precisavam de respiração assistida foi de 41%, enquanto os que necessitavam de oxigênio tiveram uma taxa de mortalidade de 25%. Entre os pacientes que não precisaram dessas duas intervenções, a mortalidade foi de 13%. No primeiro tipo de infectados, a dexametasona reduziu a mortalidade em um terço. No segundo tipo, em um quinto. Nos pacientes menos graves, não foi observado nenhum benefício.

“A dexametasona é a primeira droga que melhora a sobrevivência na covid-19”, ressaltou Peter Horby, pesquisador da Universidade de Oxford e um dos coordenadores do estudo. “A sobrevivência é maior entre os pacientes que necessitam de respiração assistida, por isso esse medicamento deve ser administrado a todos os pacientes neste estado. A dexametasona é barata, está disponível e pode ser usada desde já para salvar vidas em todo o mundo”, acrescentou o pesquisador em um comunicado à imprensa divulgado por sua instituição.

“Embora sejam preliminares, estes resultados são muito claros, a dexametasona reduz o risco de morte em pacientes com complicações respiratórias graves”, acrescentou o médico de Oxford Martin Landray, outro dos responsáveis pelo ensaio. “É fantástico que o primeiro tratamento que demonstra evitar mortes esteja disponível e seja acessível em todo o mundo”, ressaltou.

Os resultados são especialmente positivos porque chegam pouco depois que os responsáveis pelo estudo anunciaram que um dos possíveis tratamentos mais promissores ? a hidroxicloroquina ? não tem efeitos positivos em pacientes hospitalizados. O ensaio britânico também está testando a eficácia de outros tratamentos, incluído o plasma de pacientes recuperados.

Antoni Trilla, médico do Hospital Clínico de Barcelona e assessor científico do Governo espanhol, recomenda cautela. “Depois de todos os problemas que houve com outras drogas, é necessário aplicar uma dose extra de cautela”, afirma. “São dados preliminares, devemos esperar até ver todos os dados devidamente publicados para julgar”, acrescenta.

O tratamento com dexametasona é aplicado há meses em casos graves de covid-19 na Espanha. “Até agora, é o único que podemos dizer com segurança clínica que melhora o estado dos pacientes”, assinala Pilar Ruiz-Seco, diretora-adjunta de medicina interna do hospital Infanta Sofía de Madri. “No entanto, antes de endeusar os corticoides [a classe de medicamentos que inclui a dexametasona], é preciso levar em conta que eles têm riscos”, alerta. Até agora, esse tipo de droga era contraindicado para combater os vírus porque ficou demonstrado com outras infecções, como a MERS, que ele aumenta a replicação viral, por isso a OMS o desprezou em seu ensaio Solidarity", explica. Além disso, esse medicamento debilita o sistema imunológico, o que aumenta o risco de infecções por bactérias. “Usar corticoides contra um vírus representa uma mudança de paradigma, mas faz sentido porque reforça a teoria de que o que realmente mata na covid-19 é a parte inflamatória [a resposta imunológica exagerada, como a tempestade de citocinas]”, afirma Ruiz-Seco.

Os resultados preliminares do Recovery apoiam outros trabalhos anteriores que haviam visto benefícios na dexametasona, incluído um estudo retrospectivo de cerca de 400 pacientes realizado no Hospital Puerta de Hierro de Madri. Este trabalho, ainda não revisado por especialistas independentes, mostra que os corticoides reduzem a mortalidade em 41%. Outro estudo, realizado na Espanha antes da pandemia e publicado na The Lancet Respiratory Medicine, aponta que a dexametasona alivia a inflamação pulmonar grave causada por infecções graves. "Apesar desses resultados, ainda há caminho a percorrer, por exemplo: identificar quais pacientes devem receber o medicamento, quando e em que dose”, afirma Cristina Avendaño, presidenta da Sociedade Espanhola de Farmacologia Clínica e coautora do primeiro estudo.

 

Via: EL PAÍS