Auxiliares e técnicos de enfermagem, de radiologia, de laboratório; maqueiros e condutores de ambulância; pessoal de limpeza, manutenção e cozinha de hospitais; Agentes Comunitários e Agentes Indígenas de Saúde; sepultadores – todos formam uma grande teia de profissionais essenciais para manter as estruturas, a manutenção e o dia a dia de hospitais e ambulatórios. São 2 milhões de trabalhadores que estão cada vez mais fragilizados e carecem urgentemente de valorização: são mal remunerados, dispõem de infraestrutura insatisfatória e têm vínculos trabalhistas precarizados.
Com a crise sanitária causada pela pandemia de Covid-19, a situação se agravou. Essa é parte do diagnóstico do estudo “Os trabalhadores invisíveis da Saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da covid-19 no Brasil”, feita pelo Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da Fiocruz.
Para a pesquisa, foram entrevistados 21.480 trabalhadores de 2.395 municípios de todas as regiões do Brasil. Destes, 80% relatam viver em situação de desgaste profissional, 70% sentem que não têm apoio das instituições e 35,5% sofreram violência ou foram discriminados durante a pandemia.
Segundo a socióloga Maria Helena Machado, coordenadora do projeto, são profissionais à margem não só dos sistemas de Saúde, como das estruturas básicas da sociedade: costumam morar em regiões periféricas, fazer grandes deslocamentos até o trabalho, têm menos acesso a educação, não recebem salários dignos. Muitos declaram ter de fazer atividades extras para garantir a renda – às vezes em outros plantões, mas também fazendo bicos de pedreiro, segurança, motorista de aplicativo, diarista, babá, manicure etc.
Os dados preliminares da pesquisa foram publicados na semana passada e oferecem um quadro geral da fragilidade a que esses trabalhadores invisíveis e periféricos da Saúde estão expostos. Maria Helena analisa que lhes falta, sobretudo, cidadania profissional. “Uma parte significativa deles, apesar de trabalhar na saúde, correr risco de se contaminar e atuar em áreas cruciais, não têm nenhum reconhecimento de nenhuma instância de que são trabalhadores da saúde”, relata.
Por isso, durante a pandemia, foram privados dos direitos previstos aos médicos e enfermeiros como equipamentos de proteção adequados e prioridade na campanha de vacinação – mesmo estando intensamente expostos ao vírus. Essa situação também se reflete nos números: 52,9% não se sentem protegidos contra a covid no trabalho – 41% foram contaminados. E 23,9% estão no grupo de risco da doença por terem comorbidades, principalmente hipertensão e obesidade.
São predominantemente mulheres (72,5%), têm entre 36 e 50 anos (50,3%), são pretas e pardas (59,1%) e cursaram o segundo grau completo (43,1%). Muitas têm formação técnica. Enfrentam jornada de trabalho de até 60 horas semanais (85,5%). Trabalham predominantemente em hospitais públicos (29,3%) e na atenção primária à saúde (27,3%).
Ainda assim, encontram-se em um cenário de baixa cidadania e humilhação, denuncia Maria Helena: “A situação é ilegal, imprópria, imoral”. Entre as alterações causadas pelo trabalho na vida cotidiana, relatam perturbação do sono, irritabilidade, choro frequente, dores, cansaço extremo e estresse. “A pesquisa”, resume a coordenadora, “evidencia uma invisibilidade assustadora e cruel nas instituições, cujo resultado é o adoecimento, o desestímulo em relação ao trabalho e a desesperança”.
A investigação de grande abrangência foi desenvolvida ao longo de 2021 e está sendo divulgada para dar voz e jogar luz sobre essa categoria marginalizada, para expor sua fragilidade e seus dramas à sociedade, aos sindicatos, aos gestores públicos e ao Congresso Nacional. “Porque a gente acredita que não é possível continuar com os olhos vendados frente a essa realidade tão dura”, finaliza Maria Helena.