No Brasil, abertura de investigação contra o deputado Kim Kataguiri e o podcaster Monark expõe o limite da liberdade de expressão. Na Alemanha, ela termina onde começa a tolerância à doutrina por trás do Holocausto.
Na última terça-feira (08), o procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou a abertura de uma investigação sobre suposto crime de apologia do nazismo praticado pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e pelo podcaster Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark.
A medida se baseia em representações recebidas pela PGR sobre o episódio do podcast Flow em que Monark defende a legalidade de um partido nazista no Brasil.
Kataguiri também será investigado porque, depois de ser questionado durante o podcast pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP), argumentou que a Alemanha teria errado ao criminalizar o nazismo.
Em nota, Kataguiri criticou o procurador-geral Augusto Aras, argumentando que ele faz “vista grossa para crimes que realmente aconteceram”. Já Monark pediu desculpas e disse que estava bêbado quando defendeu a existência de um partido nazista durante o podcast.
O que diz a lei alemã?
O Código Penal alemão proíbe negar publicamente o Holocausto e divulgar propaganda nazista. Isso inclui compartilhar imagens como suásticas, usar um uniforme da SS e fazer declarações apoiando a ideologia nacional-socialista.
A legislação do país também estabelece regras rígidas sobre como as empresas de mídia social devem moderar e denunciar discursos de ódio e ameaças.
Uma cláusula adicionada em 2005 ao chamado “parágrafo sobre incitação ao ódio”, o número 130 do Código Penal, como uma resposta do Legislativo ao aumento de manifestações de extrema direita, prevê pena de até três anos de prisão ou multa para quem “aprovar, glorificar ou justificar” o regime nazista.
A regra foi confirmada em 2009 por uma decisão do Tribunal Constitucional Federal que determinou, retroativamente, ter sido constitucional a proibição em 2005 de uma marcha em memória a Rudolf Hess, o segundo homem na hierarquia do regime de Adolf Hitler.
A corte confirmou na época, que a regra não fere o princípio da liberdade de expressão, já que se aplica especificamente à punição de manifestações de aprovação ao nazismo, algo que na Alemanha, conforme o tribunal, constitui um ataque “com potencial de ameaçar a paz”.
Leis enraizadas na experiência alemã
Em 1994, a lei havia sido expandida para proibir explicitamente a negação do Holocausto, depois que um tribunal federal anulou a sentença de um político alemão de extrema direita que havia organizado uma palestra descrevendo como uma farsa o assassinato de judeus nas câmaras de gás em Auschwitz. O crime é passível de pena de até cinco anos de prisão.
As leis da Alemanha sobre incitação ao ódio e negação do Holocausto são fortemente enraizadas em sua história e identidade nacional, fruto das memórias ligadas às atrocidades do regime de Adolf Hitler e contrastando fortemente com as de países como os Estados Unidos, onde a Constituição limita o papel do governo na restrição da liberdade de expressão.
Outros trechos da lei alemã proíbem a distribuição de propaganda online e offline e a exibição pública ou distribuição de “bandeiras, insígnias, uniformes, slogans e formas de saudação” pertencentes a partidos políticos e organizações que foram consideradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional Federal, como nazistas e neonazistas.
Embora as proibições sejam claras à primeira vista, as muitas exceções podem causar confusão. Pois os símbolos nazistas não são proibidos se servirem para “esclarecimento cívico, para defesa contra aspirações inconstitucionais, para arte ou ciência, pesquisa ou ensino, para informação sobre eventos atuais ou históricos ou a propósitos similares”.
Em um caso que se tornou famoso, o videogame Wolfenstein 3D, que apresenta nazistas como antagonistas, foi banido em 1998 por incluir suásticas e outras imagens nazistas. O governo mudou sua interpretação da regra em 2018, decidindo que os videogames poderiam se qualificar como uma exceção, por se enquadrarem como trabalhos artísticos, educacionais e jornalísticos.
Ódio nas redes
A mais recente adição às leis federais sobre discurso de ódio na Alemanha prevê multas pesadas contra plataformas de internet que não denunciem e removam imediatamente discursos de ódio, ameaças terroristas e exploração infantil.
Na Alemanha, as principais redes sociais como Facebook e YouTube são obrigadas a excluir comentários de ódio. A partir do início deste mês, a situação legal se tornou ainda mais rigorosa: as redes sociais com mais de 2 milhões de usuários não têm apenas que excluir conteúdo criminoso, mas também são obrigadas a denunciar o conteúdo e os endereços IP ao Departamento Federal de Investigações Criminais (BKA).
Para isso, o órgão inaugurou sua nova central dedicada a denúncias de crimes na internet, empregando 200 policiais dedicados ao combate a crimes de ódio.
Fonte: DW