Duas sindicalistas negras – a servidora pública Lucimara Cruz (BA) e a metalúrgica Raimunda Leone (RJ) – estão à frente da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil). “Combinamos uma dobradinha em tudo que se referir à secretaria: duas cabeças, um objetivo – desenvolver de mãos dadas todo o possível no período da gestão”, explica Lucimara, que, formalmente, é a titular da pasta.
Graças ao Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, a atuação das duas secretárias ganha mais visibilidade neste mês. Nesta quarta-feira (17), por exemplo, o Portal CTB publicará um artigo de autoria de Lucimara e Raimunda sobre a data.
Mas os trabalhos da dupla, eleita no 5º Congresso da CTB, em agosto, já se iniciaram. Uma das primeiras iniciativas da secretaria sob o novo mandato (2021-2025) foi a adesão da central à campanha “Cotas, Sim”, organizada pela Unipalmares (Universidade Zumbi dos Palmares).
E é só o começo. “A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial tem uma das tarefas mais desafiadoras e importantes”, avalia Raimunda – que também é dirigente da CTB-RJ, da Fitmetal (Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil) e do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. “O enfrentamento ao racismo deve ser uma responsabilidade coletiva, de todos que atuam na linha de frente da luta de classe. É nas relações de trabalho que o racismo mais se acentua, impondo aos negros e às negras uma situação de total desigualdade.”
Nesta entrevista ao Portal CTB, Lucimara analisa a importância e os desafios da secretaria. Técnica administrativa em Educação na UFBA (Universidade Federal da Bahia), ela também é dirigente em entidades de sua categoria – como o sindicato (Assufba) e a federação (Fasubra) –, além de secretária de Políticas Sociais da CTB-BA. Sindicalista, sim – mas não só: “Sou um Movimento Negro aonde quer que eu vá”, autodefine-se. Confira sua entrevista.
O que justifica a existência de uma secretaria específica para tratar da questão da igualdade racial no mundo do trabalho?
O Estado brasileiro foi criado e estruturado sobre as bases do genocídio da população indígena, da escravização de africanos traficados como mercadoria e do domínio branco europeu. É uma sociedade racializada desde sua fundação, mas isso não ficou no passado. Assim como o colonialismo se transforma em colonialidade, assim como o capitalismo mercantilista, produtivista e rentista se reestrutura, o Racismo – que é estrutural e sistêmico – se reorganiza para continuar a produzir a opressão e a desigualdade.
Isso se torna visível nas estatísticas. O genocídio da população indígena continua e, já que o projeto hegemonista branco não se concretizou, negras e negros continuamos a (re)existir no século 20. Hoje, a população negra também é alvo do extermínio dirigido, por meio da chamada “guerra às drogas”.
No mercado de trabalho e no acesso a direitos em geral, negras e negros encontram-se nas piores ocupações, com menores rendas. Observando dados sobre educação e remuneração, uma mulher negra com nível superior pode ganhar até 130% a menos do que um homem branco com o mesmo nível de escolaridade, só para citar um exemplo.
Assim, ter uma secretaria específica para tratar da questão é uma conquista dos movimentos sociais negros – um reconhecimento de que há um problema, uma desigualdade que se baseia na racialização da sociedade. É um passo importante para construção de soluções, mas é fundamental que se compreenda que a questão racial, o racismo, não é um problema das negras e negros, nem dos indígenas e outras comunidades racializadas pelos opressores. É um problema da nossa sociedade.
A CTB, como uma central classista, compreende essa situação e se propõe a abraçar como tarefa de todas e todos a luta antirracista, assim como a luta feminista. Uma sociedade justa só será possível com a abolição de toda forma de opressão, com a emancipação de todos aqueles que hoje são impedidos de acessar seus direitos – e aqui estamos nós, negras, negros, indígenas, mulheres, pessoas que estão fora das heteronormatividades impostas pelo patriarcado europeu, branco.
A CTB tem se empenhado para valorizar a diversidade étnico-racial de suas direções?
A CTB é uma central que já nasce admitindo a necessidade de levar em conta a diversidade. Afinal, somos a Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – no nome já abarcamos a diversidade de gênero.
Ao lado disso, também já nasce com uma Secretaria de Políticas de Combate à Discriminação, instituída no Congresso de Fundação da CTB, em 2007, e transformada depois em Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Já tivemos três secretárias mulheres na direção dessa pasta. Acredito que isso diz muito sobre a atenção e a valorização que a central destina à luta pela igualdade.
Quais são as prioridades da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no período 2021-2025?
Nosso grande desafio é a construção de uma militância sindical afirmativa, que desenvolva as lutas contra o racismo, o machismo e a lgbtqifobias, articuladas com a luta de classe, a partir de uma visão interseccional e decolonial. Para isso, acreditamos na necessidade de construção de um projeto de Formação e Comunicação comprometido com essas lutas e a proposição de políticas de inclusão.
Exemplo dessas ações são as cotas, que já deram resultado no aumento da presença de mulheres nas direções da CTB, inclusive na nacional. Hoje, a executiva da central tem, em sua composição, 36 mulheres e 37 homens. É preciso implantar ações semelhantes , para que negras, negros, indígenas e pessoas LGBTQI possam ocupar posições em que protagonizem não apenas as áreas específicas – mas todos os espaços de poder em que as decisões são realmente tomadas.
O que é a campanha “Cotas, Sim” e por que a CTB aderiu a essa iniciativa?
“Cotas, Sim” é uma campanha nacional, liderada pela Universidade Zumbi dos Palmares, que tem como reitor o professor José Vicente. Seu objetivo é pressionar o Congresso Nacional pela renovação da Lei de Cotas, que completará dez anos em 2022, quando deverá ser avaliada para sua renovação ou não.
Com a posição racista e excludente do governo federal, há um grande risco de que as cotas não sejam renovadas – uma situação extremamente danosa diante do aprofundamento do abismo da exclusão promovida pelas ações desse mesmo grupo que ocupa o poder. A destruição ativa de direitos, a inação voluntária diante do flagelo da pandemia tem gerado uma crise que vai bem além de uma crise sanitária ou econômica.
Temos uma crise humanitária produzida ativamente pelo Planalto Central do Brasil, em que a população negra é a mais atingida por já ocupar os lugares de maior vulnerabilidade em nossa sociedade. Nesse sentido, é preciso reunir todas e todos que são a favor da reparação por meio das cotas para que mais uma conquista não seja solapada diante dos nossos olhos!
Fonte:CTB-Nacional