Tese para debate no V Congresso da CTB defende frente ampla contra Bolsonaro
Geral 04/08/2021 Escrito por: CTB-Nacional
Iniciamos a publicação dos documentos que serão debatidos no V Congresso da CTB, convocado para os dias 12 14 de agosto, já com a incorporação de emendas aprovadas nos congressos estaduais.
Os textos são de responsabilidade da Comissão de Redação e destinam-se ao debate, estando sujeitos a alterações até a apreciação final dos congressistas.
Nesta terça (3) serão publicadas a apresentação feita pelo presidente da CTB, Adilson Araújo, e a tese sobre conjuntura internacional e nacional, que enfatiza a crise geopolítica mundial e defende a construção de uma ampla frente política e social contra Jair Bolsonaro.
Na sequência virão o balanço da atual gestão, plano de lutas e outros textos propostos que serão publicados como anexos dos três documentos principais.
Apresentação
O 5º Congresso da CTB se realiza num ambiente de grave crise sanitária, econômica e política no Brasil e conturbada transição geopolítica no mundo. A política de restauração neoliberal inaugurada pelo golpe de Estado de 2016 e radicalizada pelo governo neofascista de Jair Bolsonaro agravou a situação e constitui o maior obstáculo à recuperação da economia, do emprego e da renda.
O desemprego atingiu níveis alarmantes. Mais de 50% da população em idade ativa não encontra ocupação, sendo condenada a uma ociosidade forçada, o que de resto configura um desperdício colossal de forças produtivas aliado a um grande sofrimento do povo, que é ampliado pelas consequências devastadoras da pandemia.
O Brasil ingressou no mês de agosto somando mais de 557 mil mortos pela covid-19.
A tragédia é produzida pelo líder da extrema direita, que promoveu um autêntico genocídio. Além do negacionismo, a política sanitária foi desvirtuada pela corrupção na aquisição de vacinas, numa trama surrealista revelada em diversos depoimentos na CPI da Covid.
Sob Bolsonaro e Pazuello o Ministério da Saúde foi transformado num balcão de negócios cuja principal mercadoria é a vida do povo. O enriquecimento ilícito teve por contrapartida a multiplicação dos óbitos por covid.
Acuado pela CPI da covid e pela crescente rejeição popular Bolsonaro refugia-se nas ameaças golpistas enquanto costura uma aliança com o Centrão, um agrupamento em que grande parte dos integrantes são movidos por interesses particulares e pelo fisiologismo.
O risco de um novo golpe não deve ser subestimado. A defesa da democracia e de novos rumos para o país está na ordem do dia.
Impõe-se a formação de uma ampla frente social e política para superar a crise sanitária, econômica e política; defender a democracia; intensificar a campanha Fora Bolsonaro; afastar o genocida do Palácio do Planalto; mudar a política econômica e promover a recuperação da economia e do emprego. É o que propõem os textos que orientam os debates do 5º Congresso da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).
Boa leitura!
Adilson Araújo, presidente da CTB
Conjuntura Internacional
1. A crise sanitária e a crise geopolítica são os dois principais fenômenos em curso na conjuntura internacional;
2. Até o dia 2 de agosto o número de óbitos por covid -19 no mundo superava 4,25 milhões. Os Estados Unidos continuam liderando este ranking fúnebre, com 613,6 mil óbitos. O Brasil vem logo atrás, somando 557 mil vítimas fatais e é seguido pela Índia, com 425 mil.
3. Em contraste, a China, onde foram anunciadas as primeiras manifestações e vítimas da doença em janeiro de 2020, conseguiu controlar a pandemia com menos de 5 mil mortes. Note-se que o país asiático tem 1,4 bilhão de habitantes, número mais de quatro vezes maior que a população dos EUA. Outros países, como Vietnã, Nova Zelândia, Austrália, Japão e Coreia do Sul também enfrentaram a doença com determinação e conseguiram conter seu avanço com um custo humano bem mais baixo;
4. A diferença reflete, nesses casos, a divergência na abordagem política. O governo chinês, liderado pelo Partido Comunista, priorizou a defesa da vida do povo e adotou medidas drásticas para conter a pandemia, incluindo o bloqueio de cidades, quarentenas, rastreamento eletrônico, testes massivos, uso obrigatório de máscaras, ampla campanha de conscientização popular, alertas com drones e construção de hospitais temporários. Outros países que contiveram a pandemia também seguiram caminho parecido;
5. Já os EUA, então governado por Donald Trump, subestimou a doença e adotou uma conduta negacionista, criticando as orientações da OMS, condenando o uso de máscaras e o isolamento social. A Índia foi pelo mesmo caminho;
6. Submisso a Trump, Bolsonaro seguiu os passos do líder imperialista. Afirmou que a covid-19 era uma mera “gripezinha”. Invadiu o STF com um batalhão de líderes empresariais para pressionar contra o isolamento social. Incentivou aglomerações. Esbravejou contra o uso de máscaras. Difundiu notícias falsas (fake news) sobre a vacina. Fez propaganda de remédios ineficazes e contraproducentes para a doença. Militarizou o Ministério da Saúde, que sob seu governo foi transformado num antro de corrupção, e fez questão de atrasar e sabotar a vacinação;
Crise global
7. A pandemia encontrou uma economia mundial debilitada, ainda ressentida da Grande Recessão iniciada no final de 2007 nos EUA, e aprofundou a crise, provocando uma depressão generalizada. Estatísticas do Banco Mundial indicam queda do PIB global de 4,3% em 2020. O Brasil recuou 4,1%. Nos EUA, o PIB fechou o ano 3,5% menor do que em 2019 e na Eurozona afundou 6,8%;
8. A China foi o único país entre os mais industrializados a registrar uma taxa positiva de expansão da produção em 2020, ano em que viu o PIB crescer 2,3%, apesar dos impactos depressivos da crise sanitária nas atividades econômicas;
9. A abordagem liberal da pandemia, demandada pelos grandes capitalistas e advogada por governos neoliberais, revelou-se contraproducente também para a economia. A China e outros países que contiveram a pandemia com medidas como isolamento social e paralisação dos transportes e comércio foram os primeiros a retornar à normalidade econômica, demonstrando que o controle da pandemia é a pré-condição para a recuperação das economias. Sem trabalho a economia para, sem saúde o trabalhador não produz;
10. A descoberta e início da aplicação de vacinas em tempo recorde é uma conquista memorável da ciência. À medida em que a imunização avança caem os números de casos, internações e mortes no mundo e hoje também no Brasil. Mas o surgimento de novas cepas do vírus embute novas ameaças e especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) alertam que não se deve esperar o fim da pandemia em 2021;
Um mundo em transição
11. De mãos dadas com a crise sanitária caminha a crise geopolítica. Esta é caracterizada pelo declínio do poderio econômico dos EUA no mundo, que tem por contrapartida a ascensão da China, fenômenos provocados pelo desenvolvimento desigual das nações associado ao parasitismo que grassa na sociedade estadunidense, habituada a viver muito além dos meios que produz, o que se traduz no déficit comercial e provocou a desindustrialização do país;
12. O crescimento da influência e da liderança econômica da China ocorre objetivamente. É impulsionado pelo crescimento econômico, o comércio exterior e o fluxo de investimentos externos. O próspero país asiático é o maior parceiro comercial dos países daquele continente, bem como da União Europeia, do Brasil, Argentina e outros países latino-americanos. Com reservas superiores a R$ 3 trilhões, transformou-se em protagonista do mercado de fusões e aquisições globais e grande investidor internacional, principalmente através do Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura, criado em 2015 para financiar o que vem sendo classificado como uma Nova Rota da Seda;
13. O avanço econômico chinês alterou objetivamente a correlação de forças e o status quo da geopolítica global, evidenciando o esgotamento da ordem internacional acordada pelas potências capitalistas em Bretton Woods (1944) e alicerçada na hegemonia norte-americana. Em consequência, despertou-se um movimento de transição para uma nova ordem global, que tende a ser liderada pela China em aliança com a Rússia e outros países considerados emergentes;
Agressividade imperialista
14. A ascensão do gigante asiático suscita uma reação a cada dia mais agressiva dos líderes imperialistas em Washington, que ainda alimentam o sonho dourado de que o século 21 será mais um “século americano”. O governo Trump promoveu contra a China uma guerra comercial e tecnológica, fez crescer as tensões no Mar do Sul da China e na ilha chinesa de Taiwan. A eleição de Joe Biden não mudou os humores no império. Conter a ascensão da China é o objetivo central da política externa dos EUA e uma guerra não convencional embasada pelas novas tecnologias da informação já está em curso no mundo e é interpretada por alguns analistas como uma nova guerra fria. Cabe também ressaltar que, dando continuidade ao governo do republicano, a gestão democrata formulou um ambicioso programa de reindustrialização do país, no qual já não há resquício de neoliberalismo, prevê-se uma forte e decisiva intervenção do Estado;
15. A hostilidade dos EUA já não tem o poder de alterar os rumos da história e o sentido da transição em curso. A economia chinesa continua crescendo de forma robusta enquanto a estadunidense patina sobre uma montanha de déficits e a Europa mergulhou na estagnação, acelerando o deslocamento do poder econômico e geopolítico global do Ocidente para o Oriente. É uma marcha que aparentemente não pode mais ser interrompida ou revertida por meios pacíficos, razão pela qual vê-se o recrudescimento da corrida armamentista e é de se esperar o crescimento das tensões e conflitos internacionais, bem como temer que ocupantes da Casa Branca e do Pentágono decidam provocar conflitos mais sérios, abrindo caminho a uma guerra global para recompor a hegemonia imperialista;
Golpes e geopolítica na América Latina
16. O fenômeno tem e terá, cada vez mais, papel proeminente na história das nações e da civilização. O fator geopolítico foi determinante nos golpes de Estado e retrocessos verificados na América Latina no decorrer deste século, com notório protagonismo dos EUA e suas embaixadas;
17. É bom lembrar que, com Chávez na Venezuela, Lula no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Correa no Equador, Lugo no Paraguai e outros governantes progressistas, lideranças políticas da América Latina e Caribe estavam desenhando um novo arranjo geopolítico numa região que os EUA consideram seu “quintal”. Esta iniciativa ganhou força com a criação de instituições como Unasul e Celac, excluindo EUA e Canadá e escanteando a OEA. Entretanto, uma sucessão de golpes de Estado (2009 em Honduras, 2012 no Paraguai, 2016 no Brasil, 2019 na Bolívia) interrompeu e reverteu este processo, levando à dissolução da Unasul, ao esvaziamento da Celac e à ressurreição da OEA, que forneceu a senha para o golpe em La Paz. O que se viu na América Latina foram golpes contra a integração, a Unasul, a Celac e o Brics;
18. Acontecimentos como as vitórias da esquerda nas eleições do México, Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela, Montevidéu e, em junho deste ano, no Peru, a derrota da direita neoliberal na eleição da Constituinte exclusiva e com paridade de gênero no Chile, presidida por uma mulher indígena, assim como a instituição do imposto sobre grandes fortunas na Argentina e também no Chile, sugerem que o retrocesso na região é um processo que contraria os interesses das nações. A onda conservadora esbarra em forte resistência popular e tende a ser efêmera, por não estar em sintonia com a época. Novos ventos políticos estão renovando as esperanças progressistas em nosso continente. O neoliberalismo faz água por todos os lados;
Solidariedade com Cuba e Venezuela
19. A luta pela paz e contra o imperialismo ganha maior relevância e cobra urgência neste período de transição histórica, que pode demandar décadas antes de um desfecho. É preciso reforçar e ampliar os laços de solidariedade com Cuba no momento em que os EUA reforçam o criminoso bloqueio e conduzem uma guerra não convencional contra a ilha.
Cumpre defender os demais países da Alba e os governos progressistas da região, a integração solidária e soberana das nações latino-americanas, a paz global, o fortalecimento do Brics e uma nova ordem mundial sem hegemonismos, unilateralismos, intervencionismos e guerras, em que prevaleça o diálogo, o respeito à autodeterminação dos povos, o efetivo multilateralismo e o direito internacional na solução de eventuais conflitos entre as nações. É também necessário denunciar as provocações do governo Bolsonaro contra a Venezuela e a propagação de mentiras sobre chineses em Paraima (Roraima);
20. A ascensão chinesa foi acelerada pela crise de 2008 – que começou nos EUA, migrou para a Europa, deprimiu o comércio internacional e afetou todo mundo – e pela pandemia do novo coronavírus. Foi no curso da crise financeira global, em 2009, que o Brics foi criado e a China se transformou na maior exportadora do mundo, ano em que também se tornou maior parceira comercial do Brasil, deslocando os EUA;
21. O sucesso alcançado na contenção da pandemia do novo coronavírus em 2020 e a rápida recuperação da economia num cenário mundial desolador são novos fatos indicando a superioridade do sistema que os líderes comunistas de Pequim designam de socialismo com características chinesas sobre o capitalismo neoliberal do Ocidente;
22. Embora o avanço da China ocorra no interior da ordem mundial vigente, sob a égide da chamada globalização, ela é ao mesmo tempo a sua negação, na medida em que coloca em xeque a hegemonia dos EUA e o seu fracassado modelo econômico. A economia política chinesa, com forte protagonismo do Estado – dono dos bancos e setores estratégicos da produção -, diverge em sua essência e fundamentos do capitalismo neoliberal e converge em grande medida com as forças políticas que defendem projetos desenvolvimentistas soberanos opostos ao neoliberalismo;
Degradação do trabalho no capitalismo
23. A crise da ordem capitalista prevalecente no mundo é ao mesmo tempo uma crise do capitalismo em sua última versão, neoliberal. Está associada ao desenvolvimento das novas tecnologias e, com elas, da produtividade social do trabalho, que aumenta a composição orgânica dos investimentos capitalistas e tende a reduzir as taxas de lucros. O aumento da composição orgânica do capital, conceito desenvolvido por Karl Marx, significa o crescimento dos investimentos em máquinas, equipamentos e meios de produção em geral como proporção do capital total investido em detrimento dos investimentos em força de trabalho. Verifica-se, por consequência, a progressiva substituição do trabalho vivo por trabalho morto no processo de produção, ou do ser humano por máquinas, o que hoje em dia se traduz na automação e robotização que avançam sobre diferentes setores e ramos de atividades dizimando postos de trabalho e desafiando a classe trabalhadora e o movimento sindical;
24. O Capital (a classe capitalista) reage à crise intensificando a exploração da força de trabalho e desencadeando em todo o mundo uma brutal ofensiva contra o Direito do Trabalho. Apropria-se das novas tecnologias para avançar neste sentido, impondo a crescente uberização, aliada à automação, robotização, terceirização e outras formas de precarização das relações trabalhistas. O desemprego em massa debilita a classe e facilita o retrocesso. Em nosso país, a reforma trabalhista do governo golpista de Michel Temer, com trabalho intermitente, prevalência do negociado sobre o legislado e incentivo à negociação individual em oposição à coletiva, foi um passo grande neste sentido, ao lado da terceirização irrestrita e do enfraquecimento dos sindicatos. A carteira verde e amarelo proposta por Bolsonaro, insinuada agora nos jabutis instalados na MP 1045, seria a coroação deste processo perverso de degradação do trabalho assalariado;
25. A CTB e entidades filiadas continuarão denunciando e lutando com energia contra esses retrocessos e enfrentando o desafio de conscientizar a classe trabalhadora sobre as mazelas do capitalismo e apontar a necessidade histórica de sua superação e construção de um novo sistema social, socialista, voltado para a satisfação das necessidades e interesses do povo;
CONJUNTURA NACIONAL
26. Sob o governo Bolsonaro, o Brasil vive uma tragédia sanitária, social, econômica e política, agravada pela destruição do meio ambiente;
27. O ano de 2021 foi inaugurado com um visível agravamento da pandemia, impulsionada pela postura irresponsável do governo de negação das medidas de proteção preconizadas pela OMS;
28. Em janeiro, a crise sanitária atingiu uma dimensão explosiva em Manaus com pessoas infectadas pelo vírus morrendo por falta de oxigênio nos hospitais. O estado viveu naqueles dias uma tragédia humana, agravada pelo fato de que a população foi usada como cobaia da tese da imunidade de rebanho e do ineficaz e criminoso tratamento precoce preconizado por Bolsonaro;
29. A doença revelou-se mais letal no primeiro bimestre deste ano, quando o número de mortes saltou 71%, sendo que em oito estados o avanço foi de 100%. O terceiro mês foi inaugurado com recordes de mortes diárias e terminou com a marca de 62.918 vítimas fatais, quase o dobro do recorde anterior, registrado em julho de 2020 (32,9 mil). O quadro continuou se agravando em abril.
30. O sistema de saúde, público e privado, entrou em colapso em vários estados e cidades. Em junho (19) o Brasil ultrapassou a marca de meio milhão de mortos por covid. No dia 2 de agosto os óbitos totalizavam mais de 557 mil. Embora as estatísticas sinalizem um certo recuo da pandemia em função do avanço da vacinação ainda são registradas, em média, mais de mil mortes diariamente;
Crime contra a saúde pública
31. Bolsonaro continua com a pregação negacionista, criticando o isolamento social, o uso de máscaras e a vacina, muito embora a pressão popular tenha resultado em certo avanço da vacinação. Atribui a culpa da tragédia ao STF, que teria amarrado suas mãos, aos governadores, aos prefeitos, abusando da mentira e manipulando dados para insinuar que recursos que teriam sido repassados pela União aos estados para combater a covid-19 foram desviados para outras finalidades;
32. O líder da extrema direita dividiu irremediavelmente a nação num momento em que era fundamental a união de todos os poderes e entes federados, bem como do povo, em torno da guerra contra a pandemia. Provocou um confronto gratuito com governadores e prefeitos, promove e estimula a difusão de notícias falsas, transformando o combate à doença num caos nacional e ofendendo o pacto federativo, aposta na crise institucional e no golpe;
33. O número de infectados e mortos teria sido muito inferior se os protocolos recomendados pela OMS tivessem sido adotados, se houvesse unidade e coordenação de esforços entre União, estados e municípios, bem como Executivo, Legislativo e Judiciário e se o presidente da República não estimulasse aglomerações ou sabotasse a aquisição de vacinas e o início da vacinação. O comportamento de Jair Bolsonaro é um crime continuado contra a saúde pública;
34. Em contraposição, vai se formando em âmbito nacional uma ampla frente política e social em defesa da saúde, da vacina e da vacinação, assim como da democracia e pelo Fora Bolsonaro. As centrais sindicais uniram forças nesta luta. A necessidade de fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) ganhou maior evidência;
A tragédia econômica
35. A pandemia agravou a crise da economia brasileira, que já patinava na estagnação e terminou o ano em recessão. O PIB caiu 4,1%, encerrando a década iniciada em 2011 com declínio anual do produto per capita de 0,6%, de acordo com a FGV. Foi o pior desempenho em 120 anos. Na década perdida de 1980, a queda média do PIB per capita foi de 0,4%. Juntas, as duas décadas são as únicas desde 1900 em que o país andou para trás; ou seja, saiu mais empobrecido do que nelas entrou;
36. 2020 foi também o ano em que o desemprego, o desalento e a subocupação explodiram. Estima-se que mais de 7 milhões de postos de trabalho foram destruídos.
O último retrato do mercado de trabalho proveniente dos dados IBGE é doloroso.
Em maio deste ano havia no País 29,8 milhões de empregados com carteira assinada no setor privado.
O mesmo setor empregava 9,8 milhões de assalariados sem carteira.
A população subutiizada somava 32,9 milhões, nela incluindo 24,4 milhões de pessoas trabalhando por conta própria e 7,36 milhões fazendo bico ou subocupadas por tempo insuficiente.
O exército de desempregados alcançou 14,8 milhões.
Desalentados ou desempregados que desistiram de procurar emprego: 5,7 milhões de pessoas.
A população ocupada, de 86,7 milhões de pessoas, representava apenas 48,9% da População em Idade Ativa, ou seja, mais da metade da população ativa não tem ocupação.
Trabalhadoras e trabalhadores domésticos: 5 milhões.
A taxa de informalidade foi de 40% da população ocupada ou 34,7 milhões.
O trabalho formal assalariado perdeu terreno enquanto floresceram formas precárias de renda: trabalho individualizado sem proteção trabalhista, previdenciária e sindical, trabalho por contra própria. Mesmo o trabalho formal foi precarizado com a terceirização irrestrita, trabalho intermitente e ou temporário, teletrabalho, tudo isso acompanhado do esvaziamento da Justiça do Trabalho e da CLT, fragilização do movimento sindical e ampliação dos acordos individuais e de empresa sem anuência dos sindicatos. O mercado de trabalho é expressão da tragédia econômica brasileira, que se traduz num imenso desperdício de forças produtivas.
Restauração neoliberal
37. Com o resultado do PIB e a disparada do dólar, o Brasil – que já foi a 6ª maior economia do mundo – despencou no ranking econômico global para a 13ª posição. O tombo da economia seria mais profundo sem o auxílio emergencial, que evitou uma contração maior do mercado interno. O benefício, originalmente de R$ 600,00 per capita, foi instituído em abril por iniciativa do Congresso Nacional, com participação decisiva das centrais sindicais. Posteriormente, o valor foi rebaixado à metade pelo governo federal, que decidiu extingui-lo em dezembro. Agora foi arrochado ainda mais, ficando entre R$ 175,00 a R$ 250,00, tendo sido também reduzido em 50% o universo de beneficiários. Tais valores revelam-se ainda mais insuficiente frente à alta acentuada dos preços dos alimentos, conta de luz, gás e gasolina;
38. A crise sanitária não é a única responsável pela tragédia econômica. Para esta contribui também, e em escala mais ampla e perene, a política econômica neoliberal comandada por Paulo Guedes, orientada para o Estado mínimo e ancorada no teto de gastos instituído no “novo regime fiscal” do governo Temer (EC 95). O ministro usou a da pandemia como pretexto para passar a boiada do ajuste fiscal ;
39. Baseada na falsa suposição de que os investimentos privados vão promover, por si sós, o crescimento sustentado da economia brasileira, a política fiscal tornou-se um grande obstáculo à recuperação e expansão do PIB, ao restringir drasticamente despesas e investimentos públicos;
40. Ao lado das privatizações, corte de gastos, degradação dos serviços públicos, destruição da ciência e do meio ambiente, a política de restauração neoliberal impõe à classe trabalhadora uma dura agenda de retrocessos, desregulamentação e destruição de direitos e conquistas;
41. A reforma da Previdência acabou com o direito de aposentadoria por tempo de contribuição, estabeleceu a idade mínima, reduziu o valor e dificultou o acesso do trabalhador ao benefício. Guedes queria ir além, privatizando o sistema com a introdução do regime de capitalização, mas foi derrotado nesta pretensão;
42. A política de valorização do salário mínimo foi abolida. Para 2021, o mínimo foi fixado em R$ 1.100, valor que traduz o seu menor poder aquisitivo medido em cestas básicas desde 2004, segundo o Dieese. O governo acabou com o Ministério do Trabalho e buscou aprofundar ainda mais a obra de desregulamentação das relações entre capital e trabalho, enfraquecimento das negociações coletivas e dos sindicatos, iniciada após o golpe de 2016 com a reforma trabalhista e a terceirização irrestrita. Bolsonaro vetou a ultratividade dos acordos coletivos na pandemia, aprovada pelo Congresso e incluiu na lei de greve, através da MP 945, as atividades portuárias como categorias essenciais com o objetivo de sufocar a mobilização dos trabalhadores e movimentos paredistas nos portos. Em julho, com o objetivo de acomodar políticos do Centrão no primeiro escalão do governo, Bolsonaro recriou a pasta do Trabalho para entregá-la ao aliado Onyx Lorenzoni, que antes ocupava a Secretaria Geral da Presidência;
43. O propósito do Palácio do Planalto é a instituição da chamada carteira verde e amarelo, que permitiria a contratação à margem da CLT, ou seja, sem garantias e direitos trabalhistas. O espírito da iniciativa transpareceu em várias MPs baixadas por Bolsonaro e ressurge neste momento através de jabutis embutidos na MP 1045, em tramitação na Câmara Federal. O presidente diz que o trabalhador deve optar entre ter direitos ou emprego, mas basta observar a trajetória da economia e do mercado do trabalho ao longo dos últimos quatro ou cinco anos, e destacadamente no atual governo, para constatar que a destruição de direitos vem acompanhada do aumento do desemprego, da informalidade e do subemprego. Outro propósito perverso contra a classe trabalhadora é a tentativa de flexibilizar a NR1, através das portarias 915 e 6730, com graves prejuízos à proteção dos empregados;
Arrocho dos salários
44. Os efeitos negativos das políticas governamentais e da crise se refletem nas negociações com o patronato. Em junho deste ano 54% dos reajustes obtidos pelo movimento sindical nas datas-base ficaram abaixo da inflação, o que significa arrocho dos salários. De acordo com o Dieese, ao longo do ano até a primeira semana de julho cerca de 52% dos reajustes resultaram em perdas salariais nas datas-base, sempre na comparação com o INPC-IBGE, e quase um terço (31,2%) foi igual à inflação. Apenas 16,5% dos reajustes tiveram ganhos reais.Deste modo, em meio à pandemia, a inflação vai corroendo o poder de compra dos salários e operando a transferência de renda dos trabalhadores e trabalhadoras para o empresariado;
45. Expandiu-se sob a pandemia o trabalho remoto, que vem sendo usado por muitas empresas para eludir a legislação, alongar jornadas e intensificar a exploração. As denúncias por excesso de trabalho e aumento na jornada por parte de trabalhadores em home office aumentaram 4.205% em 2020. O desemprego em massa forçou uma imensa legião de trabalhadores e trabalhadoras a se submeterem aos aplicativos, ampliando o universo da chamada uberização, com relações trabalhistas à margem da CLT e da Constituição, sem direito a férias, 13º Salário, descanso semanal remunerado ou outros benefícios. Francamente hostil ao Direito do Trabalho, o Judiciário brasileiro, diferentemente do inglês (que obrigou a UBER a reconhecer e pagar direitos trabalhistas), é conivente com a superexploração imposta pelos aplicativos a motoristas e entregadores, que têm reagido aos abusos;
46. Para os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público, a receita também é amarga. Além do arrocho salarial, o governo tenta emplacar uma reforma administrativa para acabar com o regime jurídico único dos servidores, os concursos públicos e a estabilidade no emprego, abrindo caminho para a precarização ainda maior daqueles que labutam no serviço público, degradação de serviços essenciais para o povo, aparelhamento e desmantelamento do Estado nacional;
47. No campo, Bolsonaro procura fazer a vontade dos grandes proprietários em detrimento de trabalhadoras e trabalhadores da agricultura familiar e assalariados. Paralisou a reforma agrária, nocauteou o Incra e aprofundou a política instituída após o golpe de 2016 que começou com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), seguida por cortes drásticos de orçamento de programas para a Reforma Agrária e para o Incra, assim como para o Pronera, o Procampo, o Pronatec, para habitação rural, ATER; pelo desmonte do Ibama e do ICMBio. Aumentou exponencialmente as liberações de agrotóxicos, o desmatamento e a indiscriminada destruição do meio ambiente, o que despertou indignação internacional. Estimulou a violência contra indígenas, quilombolas e líderes sociais rurais. Também vetou o PL 735/2020, que estabelecia medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares para mitigar os impactos socioeconômicos da covid-19, e acabou com o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural;
48. Foram impostos cortes draconianos às verbas para saúde e educação pública. Antes mesmo de tomar posse, Bolsonaro acabou com o programa Mais Médico, precipitando a saída dos médicos cubanos e deixando milhares de municípios e seus habitantes sem assistência à saúde. Sua intenção era acabar com o SUS e privatizar completamente o sistema de saúde. Deixou as universidades públicas à míngua, subtraiu verbas destinadas à pesquisa e ciência, extinguiu o Ministério da Cultura. A lista de retrocessos de seu governo parece interminável;
Subserviência aos EUA
49. Bolsonaro foi muito além de Temer em matéria de entreguismo e subserviência ao imperialismo. Escudado pelo trumpista Ernesto Araújo, o presidente inaugurou uma diplomacia totalmente subalterna a Washington e temperada com teorias conspiratórias e anticomunismo. Bravateou contra a China e contrariou a Índia numa votação da ONU sobre patentes farmacêuticas, em que o Brasil rompeu com a própria tradição para se aliar vergonhosamente aos interesses dos laboratórios privados. Essas posições contribuíram para colocar em xeque e atrasar a entrega de insumos e vacinas CoronaVac e Oxford-AstraZeneca, tornando ainda mais lento o processo de imunização contra a covid-19. Desmoralizado, isolado politicamente e pressionado por empresários e senadores, o diplomata lunático foi constrangido a pedir demissão;
50. Os países imperialistas aos quais o governo da extrema direita subordinou a política externa brasileira dão fartas provas de egoísmo e desprezo pelas nações mais pobres. Os EUA agiram segundo o ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro” e a União Europeia, no mesmo diapasão, proibiu a exportação de vacinas. A China teve um comportamento diferente, distribuindo vacinas para dezenas de países do Terceiro Mundo. O governo Bolsonaro, embora destilando um falso patriotismo, caminha na contramão dos interesses nacionais;
51. Prisioneiro dos interesses privados dos grandes capitalistas o governo busca aprofundar e acelerar o processo de enfraquecimento das empresas públicas e o programa de privatizações. Fatiada e debilitada pelos desinvestimentos, a Petrobras opera com a lógica de uma empresa capitalista privada, priorizando os interesses dos acionistas, boa parte deles estrangeiros. Sua política de preços, fiel às oscilações do mercado internacional, é cruel para o povo brasileiro. A gasolina acumulou alta de 46% no primeiro semestre deste ano, o óleo diesel 40% e o gás de cozinha 36%. Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal aplicam políticas semelhantes, que esvaziam o caráter público e social dessas empresas e abrem caminho à privatização. O BNDES está sendo desmantelado. Foi aprovado no Congresso, por iniciativa do governo, normas para privatizar a venda de água potável e o saneamento, que serão entregues ao capital estrangeiro e, no dia 24 de fevereiro, Bolsonaro encaminhou ao Parlamento os projetos de privatização dos Correios e da Eletrobras;
52. O bolsonarismo, com sua política entreguista e neocolonial, agravou a longa desindustrialização da economia brasileira. Pela primeira vez em mais de 70 anos, a indústria responde por menos de 10% do nosso PIB. Com Bolsonaro, enfrentamos ainda a fuga recorde de multinacionais. Desde 2020, empresas do porte de Ford, Mercedes-Benz, Audi, Sony e LG fecharam fábricas e deixaram o País, total ou parcialmente, elevando o desemprego e a crise;
53. São quase diários os ataques de Bolsonaro e bolsonaristas lunáticos à democracia e às instituições. A intenção é criar condições para instalação de uma ditadura neofascista e arrastar os militares para a aventura, o que está originando ampla oposição na sociedade brasileira. As suspeitas sem provas contra o voto eletrônico, associadas à pregação reacionário pelo retorno do voto impresso, são a nuvem de fumaça para justificar o não reconhecimento de uma eventual derrota no pleito de 2022 e a empreitada golpista. As bravatas e Fake News bolsonaristas provocaram uma forte reação dos ministros do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior do Trabalho, ampliando o isolamento do chefe do Executivo;
54. Em unidade com as outras centrais, os movimentos sociais e as forças democráticas e progressistas, a CTB participa ativamente da resistência e luta contra o retrocesso, as ameaças fascistas e o governo Bolsonaro; em defesa da democracia, da soberania nacional e dos direitos e interesses da classe trabalhadora brasileira, que é a maior vítima das crises sanitária e econômica;
Manifestação contra Bolsonaro na Avenida Paulista (19-06-2021)
55. Ao lado da mobilização social, esta luta inclui pressões e diálogos no Congresso, nos executivos estaduais e municipais, no Poder Judiciário, em defesa da saúde do povo brasileiro e dos interesses e direitos da classe trabalhadora. Tem contribuído para evitar retrocessos ainda maiores, como a privatização do sistema previdenciário, e resultado em conquistas relevantes, como a instituição do auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 per capita, em abril de 2020, e a aprovação do Fundeb permanente, em agosto;
Unificação CTB/CGTB
56. Em defesa de uma unidade mais ampla do movimento sindical e como um passo relevante neste sentido o 5º Congresso da CTB deve aprovar e celebrar a unificação com a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), iniciativa que fortalece o sindicalismo e a luta classistas no Brasil;
CPI da covid
57. As investigações conduzidas pela CPI da covid descobriram um infame esquema de corrupção no Ministério da Saúde no processo de aquisição de vacinas que deixaram o governo e Bolsonaro em maus lençóis. Os irmãos Miranda apresentaram provas do malfeito ao presidente, que não tomou providências. Ou seja, Jair Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação, pelo qual pode perder o mandato. A corrupção foi o tempero do negacionismo na política sanitária;
58. O chefe do Executivo está a cada dia mais isolado. O apoio que tinha no meio empresarial foi abalado. Pesa também o conflito que cultiva com a Globo e boa parte da mídia burguesa, que tanto contribuiu para sua eleição. Embora tenha sido fortalecido com a eleição de aliados para as presidências da Câmara Federal e do Senado, o apoio do Centrão costuma ser volátil e pode ser revertido se o cenário político, econômico e sanitário continuar se deteriorando;
59. É visível, por outro lado, o crescimento da desaprovação do seu governo pela sociedade, captado nas pesquisas de opinião, que está relacionado ao rebaixamento do valor e, na sequência, o fim do auxílio emergencial em dezembro passado, ao agravamento das crises sanitária e econômica, aos escândalos de corrupção;
60. Cabe registrar que a decisão do STF de anular as sentenças do ex-juiz Sergio Moro contra Lula e restituir, em sua plenitude, os direitos políticos do líder petista provocou uma sensível mudança na conjuntura política brasileira. Moro, que hoje vive a soldo de uma multinacional e mora nos EUA (a quem serviu no comando da Lava Jato), foi julgado parcial pelo supremo;
Frente ampla contra Bolsonaro
61. Muitos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro, além da prevaricação, foram apontados por juristas e justificam mais de uma centena de pedidos de impeachment protocolados na Mesa da Câmara dos Deputados. Cresce na sociedade a opinião política de que, sem o seu afastamento, o país continuará mergulhado no caos e às portas da barbárie neofascista;
62. O descontentamento desceu às ruas, que voltaram a ser palco de grandes manifestações populares lideradas pelas centrais sindicais, movimentos sociais e partidos políticos de oposição. Já foram realizados quatro grandes atos nacionais, reunindo centenas de milhares de brasileiros e brasileiras revoltadas com o governo, a política sanitária genocida, o desemprego em massa e a destruição do meio ambiente;
63. Por estas razões, a CTB elege como objetivo central nesta conjuntura a construção de uma ampla frente social e política no curso da campanha Fora Bolsonaro e na luta por um plano de combate ao desemprego com base nos investimentos públicos, reversão do processo de desindustrialização, incentivos ao setor industrial (com garantia de preservação de empregos), restituição do auxílio emergencial no valor de R$ 600,00, vacinação de todo o povo brasileiro no mais curto espaço de tempo, interrupção das privatizações e defesa das empresas públicas.