100 anos do direito às férias reforçam luta pelo fim da 6x1, diz Emanoel Souza

100 anos do direito às férias reforçam luta pelo fim da 6x1, diz Emanoel Souza
Greve em 1917 (SP). Foto: Brasil Escola/UOL (foto 6x1: Roberto Sungi/Estadão Conteúdo)

Geral 29/12/2025 Escrito por:

No dia 24 de dezembro, o Brasil completou 100 anos da conquista do direito às férias. Foram meses de debates no Congresso Nacional, até que o presidente Arthur Bernardes (1875-1955) assinou o decreto que permitia a classe trabalhadora ter um descanso anual remunerado, mas por apenas 15 dias. A proposta foi do deputado federal carioca Henrique de Toledo Filho (1895-1975). 

A luta de décadas dos sindicatos garantiu o direito era para empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários, sem prejuízo do ordenado. Era pauta sindical desde o início da década de 1910. Em 1917, por exemplo, uma greve geral em São Paulo levou quase 50 mil operários para as ruas para pedir férias. 

O jornal Correio da Manhã publicou a celebração da Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, que definiu a lei como resultado de uma "bela e pacífica vitória" e "o presente de festas da operosa classe". Para a entidade, a pausa significava "o gozo de uma regalia tão necessária à saúde dos que mourejam numa lida afanosa de um ano inteiro de labor".

Nesse período, as jornadas eram de 10 ou 12 horas por dia, sem medidas de proteção. Descanso era só aos domingos. Algumas categorias tinham férias graças a acordos sindicais: professores, militares, funcionários do Judiciário e servidores públicos em geral.

A preocupação com a saúde dos trabalhadores repercutia na imprensa. O Jornal do Brasil afirmou que o trabalho ininterrupto "de ano a ano e de sol a sol" podia prejudicar a saúde dos empregados. "O repouso redunda em benefício dos próprios patrões", argumentou a publicação. "Tão certo é que um auxiliar bem disposto, com o organismo reconfortado pelo descanso, se torna muito mais capaz e eficiente".

LUTAS DO SÉCULO 20

A cientista política Mayra Goulart lembra que aquele era "um momento de transformação do capitalismo brasileiro, um período marcado por urbanização, expansão do trabalho assalariado e aumento dos conflitos sociais nas cidades". Também havia a influência da Revolução Socialista na Rússia em 1917, que impulsionou lutas no mundo inteiro por mais direitos sociais e trabalhistas. 

Segundo a pesquisadora "nesse contexto, o trabalhismo começa a se desenhar como uma alternativa intermediária às saídas consideradas radicais ao questionamento do capitalismo. De um lado, o comunismo; de outro, o fascismo. A incorporação seletiva de direitos sociais passa a funcionar como estratégia de contenção do conflito, de reconhecimento limitado das demandas populares e de preservação da ordem."

PATRÕES CONTRA E SEM FISCALIZAÇÃO

Como sempre, os empresários diziam que a lei significaria a falência das empresas por pagar salário mesmo no mês sem o serviço do trabalhador. Se tornou comum a demissão antes do fim de 12 meses de trabalho. "A forte oposição dos industriais à legislação trabalhista também permite compreender como pensam e se organizam os industriais brasileiros", diz a historiadora Bruna Gomes dos Reis, professora no Serviço Social da Indústria (Sesi) e pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Ela destaca a resistência dos patrões de reconhecerem o direito: "Os argumentos são impressionantes, sobre produtividade, do custo e do impacto na produção das férias de 15 dias, argumento moral, como que os trabalhadores braçais não teriam nada para fazer em 15 dias, que o trabalho industrial no Brasil já era repleto de folgas e que esses trabalhadores não teriam condições intelectuais de se disciplinarem longe do ambiente de trabalho."

PARTIDO COMUNISTA E CLT

Segundo pesquisadores, a grande maioria ignorou a lei e o governo não criou um órgão fiscalizador. Fato é que as elites se mantinha resistentes e os conflitos sociais cresciam. Era preciso conter as crises e impedir que as ideias socialistas prosperassem.

Nos anos de 1900, dois fatos são marcantes: a ascensão dos comunistas e a criação da CLT no governo de Getúlio Vargas. Bruna Reis ressalta que este momento ficou marcado "pelo crescimento das cidades" e "por um ciclo de greves de grande proporção". Além disso, em 1922 foi criado o Partido Comunista Brasileiro, um ingrediente a mais na causa trabalhista.

As lutas e o medo dos ideais socialistas fizeram as elites encontrar mecanismos para tentar conter as lutas. Em 1932, o governo Getúlio Vargas (1882-1954) criou o Ministério do Trabalho e as regras para regular e fiscalizar o cumprimento da lei trabalhista. A Justiça do Trabalho surgiu em 1941 e, em 1943, seria publicada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

CTB PELO FIM DA ESCALA 6x1

Em 1949, o período de descanso saltou de 15 para 20 dias. Em 1977, a lei garantiu 30 dias. Com a Constituição de 1988, garantiu-se um adicional de mais um terço de férias. Essa conquista de 100 anos estimulou novas conquistas.

"Agora, a luta é a mesma: por fim a escala 6x1 para garantir saúde e mais qualidade vida para a classe trabalhadora, em meio ao grande avanço tecnológico. A CTB e todo sindicalismo quer o fim desse modelo. Já vimos o empresariado manter o mesmo discurso atrasado de 1925, de que não seria bom reduzir a jornada de trabalho. Mas, a sociedade vê como algo justo e abraça essa bandeira", destaca Emanoel Souza, dirigente da CTB Bahia.

Para o sindicalista, é importante o presidente Lula defender o fim da escala desumana. "Já conseguimos avanços na Câmara e no Senado. A voz do presidente reforça a nossa luta para conseguir, após 100 anos da conquista do direito às férias, mais uma lei importante para quem trabalha duro e boa para a economia: vai gerar mais empregos e renda, ampliando o consumo das famílias, que responde por 63,8% do PIB brasileiro", enfatiza.

com informações da BBC News Brasil (Edison Veiga)