Estatuto da Família, a serviço de quem?
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Por Onã Rudá*
Os últimos meses tem sido muito desafiadores para os setores progressistas do Brasil, as lutas tem sido travadas em todos os âmbitos da sociedade onde o discurso de ódio, intolerância e golpe se apresente.
No Congresso Nacional são cotidianas as investidas que atentam contra direitos civis, contra a democracia, investidas que trazem mais que retrocesso de direitos, trazem retrocessos civilizatórios, que se implementados são incomensuráveis os seus impactos danosos à sociedade e todo povo brasileiro.
Uma investida recente foi a aprovação do famigerado “estatuto da família”, que havia sido arquivado em dezembro de 2014 e foi desarquivado por Eduardo Cunha em fevereiro deste ano, uma das suas primeiras ações como presidente da Câmara dos Deputados, o deputado também criou uma comissão especial para discutir e acelerar a tramitação do tema que foi aprovado em regime terminativo e o PL 6583/2013 seguirá direto para a apreciação do Senado, sem passar pelo plenário da casa.
O projeto tem por objetivo obliterar direitos e colocar na insegurança jurídica os diversos arranjos familiares, sobretudo os arranjos que surgem a partir da união de dois homens ou duas mulheres, em seu artigo 2º, afirma que “define-se entidade familiar como núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, desprezando o amadurecimento do debate em termos jurídicos com as decisões e interpretações do STF a respeito do conceito de família dentro da Carta Magna, a Constituição Cidadã de 88.
Em março desse ano, a ministra Cármen Lúcia negou recurso extraordinário do Ministério Público Estadual do Paraná contra um casal que adotou um menino no estado em 2005: o professor Toni Reis e o marido, David Harrad. A ministra tomou como base o entendimento do ex-ministro Carlos Ayres Britto que foi relator da ação que culminou com a liberação da união homoafetiva, em 2011.
“A Constituição Federal não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso, em nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo ‘família’ nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. (…) Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico.” Carlos Ayres Brito.
O estatuto da família é parte de um pacote de retrocessos que vão desde as relações de trabalho com a autorização da terceirização indiscriminada, passando pela criminalização da pobreza, intensificação de um racismo institucional e um “estado de vingança” com a redução e indo até a noção do que constitui a base da sociedade a partir de uma concepção religiosa, que outrora não concebia a conformação de uma família por um arranjo étnico e que criticaram a legislação que permitia pessoas divorciadas se casar, por tanto uma ameaça ao estado laico, e lógico que essas ações não estão descoladas e nem são feitas aleatoriamente, elas estão e operam a favor de um ideal de sociedade e de um projeto e é importante que nos atentemos para qual.
Em nome de um falso e seletivo moralismo os parlamentares que arvoram se auto proclamar defensores da família tradicional brasileira e dos “bons costumes”, são os mesmo que se calam diante das notícias envolvendo Eduardo Cunha, desses parlamentares não partiu sequer uma nota, ou declaração sobre as denúncias do Ministério Público ao STF a respeito de Cunha, o silencio é denunciador do que se esconde por trás dessa escalada, que se expressa na sociedade com um discurso de ódio e intolerância.
É notório que está em disputa uma constituição de um modelo de sociedade e é importante que aprofundemos esse debate, que tipo de sociedade queremos construir pra nós e para as futuras gerações, percebendo que isso se expressa sobretudo no âmbito da legislação que é onde podemos aprofundar ou cassar direitos, aprofundar ou retroceder na democracia, nas liberdades individuais e coletivas.
O Brasil que precisamos construir não é outro, senão o que respeite a diversidade que o constitui como nação, a diversidade que está expressa em quase todos os aspectos inerentes a vida em sociedade, linguagem, costumes, roupas, comidas, cultura, música, dança, bebidas e etc, mas está também na expressão da sexualidade e nos formatos de arranjos das famílias, porque ao contrário dos que esbravejam, os que defendem um estado fundamentalista cristão, as famílias do Brasil existem na sua diversidade, seja ela constituída a partir da união e do vínculo duradouro entre heterossexuais ou homossexuais, seja ela a família mononuclear, homomaternal, homopaternal, monoparental, formada por avós que cuidam de netos, irmãos que se cuidam, tios que cuidam de sobrinhos, e até mesmo a famíliasingle, elas existem e todas precisam de proteção e amparo do estado, aí fica a minha pergunta “Estatuto da família, a serviço de quem?”, das famílias brasileiras é que não é!
*Onã Rudá é presidente da UJS Salvador, Conselheiro Estadual de Juventude da Bahia e diretor de Comunicação e LGBT Estadual da UJS-BA.