O impeachment se vai, vamos ao desenvolvimento
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Por Haroldo Lima*
A tradição do mês de agosto, de abrigar acontecimentos cruciais, continuou, só que, desta vez, não com fatos de mau agouro, mas com gestos para normalizar a vida democrática do país e retomar seu desenvolvimento. O dado mais saliente é que, por absoluta falta de fundamentos, pela resistência de setores organizados da população e pela perspectiva sombria que traz um golpe nas instituições, a campanha pelo impeachment da presidenta Dilma refluiu. No mês de agosto.
Logo no dia cinco, o vice-presidente Michel Temer fez um apelo à União pela Estabilidade, e no dia seis, voltou a insistir na “harmonização da base governativa” e na “preocupação com o país”, “que é a preocupação da presidenta Dilma, do Congresso Nacional e da sociedade brasileira”.
Nesse mesmo dia seis, as principais entidades de industriais do país, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, e a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, a Firjan, manifestaram seu apoio à “estabilidade institucional do país”, chamando a atenção para “o interesse maior do país”, que já não suporta mais “irresponsabilidades fiscais, tributárias ou administrativas”, mas que exige, a manutenção do “grau de investimento”, sob pena de sacrificar “milhares e milhares de empresas e milhões de empregos”. Na oportunidade, o presidente da Firjan afirmou que “os empresários não podem assistir a esse jogo vagabundo, de quinta categoria, da arquibancada. ”
No dia onze, outro fato repercute, a partir de um brado vindo do Senado, a um só tempo afirmativo e agudamente crítico: “Queremos ser vistos como facilitadores e não como sabotadores da Nação”, disse Renan Calheiros, Presidente do Senado e do Congresso Nacional. E o senador apresentou à Nação sua Agenda Brasil.
Com a Agenda Brasil, o presidente do Congresso deu uma contribuição para alterar a pauta do país, que deixaria de ser uma pauta de delegacia de polícia e passaria a ser a de uma Nação sedenta de desenvolvimento, com propostas para a “melhoria do ambiente de negócios e infraestrutura”, “equilíbrio fiscal” e “proteção social”.
Uma semana depois, ainda nesse agosto, dois dos mais decantados jornais do mundo capitalista, o Financial Times, da Inglaterra, e o The New York Times, dos Estados Unidos, fizeram matérias e editoriais sobre a crise brasileira. Chamaram a atenção para sua gravidade, mas mostravam não haver razão para se falar em impeachment da presidenta Dilma. O The New York Times afirmou que “forçar a saída da senhora Rousseff do cargo sem qualquer evidência concreta de malfeito, traria sério dano à democracia brasileira”. Advertiu que o país está em funcionamento normal, e que “há firmeza nas instituições democráticas brasileiras”. O Financial Time, também negou fundamento para a saída da Presidenta, e observou que “mesmo que Dilma seja removida, provavelmente seria substituída por um político medíocre”, que “adotaria o mesmo programa de estabilização econômica que ela está tentando fazer”.
A partir da metade do mês, nos dias 16 e 20, passeatas ganharam as ruas do país, uma defendendo o impeachment da presidenta, outro contra o golpe travestido de impeachment e pela retomada do desenvolvimento. No seu formato, outras diferenças apareceram entre as duas manifestações: a “pelo impeachment” foi maior, virulenta, com palavras-de-ordem odiosas, mas dispersa, cheia do tipo humano que se tem chamado de “coxinhas”, rapazes e moçoilas branquinhos ou esbranquiçados, saltitantes e bem alimentados; a do “contra o golpe” foi menor, de base sindical, estudantil e popular organizada, com a participação de entidades conhecidas e tradicionais na luta democrática, concentrada na defesa da democracia e das medidas pelo desenvolvimento, e cheia de mestiços, negros e brancos trabalhadores.
Assim, agosto está sendo o mês da reorientação de rumos.
E, se bem que a atenção para barrar qualquer golpismo redivivo deve continuar, uma questão de logo se coloca: onde, agora, as forças populares e democráticas devem concentrar sua atuação?
Afastada a pauta do impeachment – que não era verdadeira, mas falsa, com “projetos-bomba” contra o Brasil – há que se retomar a irrecusável pauta atual do país, a da retomada e manutenção do desenvolvimento nacional.
A Agenda Brasil arrola um elenco de proposições e é, objetivamente, o ponto de partida que o processo político colocou à frente de todos os que anseiam por medidas desenvolvimentistas concretas.
É de se esperar que os diversos setores sociais se debrucem sobre os 28 pontos da Agenda Brasil, destaquem os que mais diretamente lhes interessem e sobre eles emitam opiniões, apoiando-os, refutando-os ou modificando-os, no todo ou em partes. Esse comportamento irá decantando a Agenda Brasil, ajustando-a e aprofundando-a. A grande vantagem é que estaríamos a discutir e formular melhor, ou a rejeitar, itens de uma agenda desenvolvimentista, e não a ficar extasiados e paralisados com as revelações de corrupção descobertas no ambiente policial.
A corrupção, que hoje centraliza a pauta nacional, perderia essa centralidade na própria medida em que a discussão desenvolvimentista fosse se impondo e projetos de construção nacional substituíssem os nefandos “projetos-bomba”, irresponsáveis para com o país. Os elementos comprovadamente corruptos teriam que ser exemplarmente punidos e “acordos de leniência” deveriam ser empregados junto às empresas envolvidas, para resgatar recurso criminosamente subtraído do Erário e salvar a expertise de organizações ligadas a engenharia nacional de grandes obras.
Dentre os 28 pontos da Agenda Brasil, imediatamente há que se destacar:
1)“aperfeiçoar marco regulatório das concessões, para ampliar investimentos em infraestrutura e favorecer os investimentos do Programa de Investimentos em Logística do Governo (PIL)”;
2) “estabelecer processo de fast-track para o licenciamento ambiental para obras estruturantes do PAC e dos programas de concessão”.
Em geral os grandes investimentos ocorrem em serviços públicos, (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, energia elétrica, petróleo e gás etc.) e a escolha das empresas que vão explorar o serviço, sob concessão, ou é feita de forma subalterna, às escondidas, onde campeia a corrupção, ou é feita sob a forma transparente dos leilões.
O governo da presidenta Dilma, mais recentemente, tem se disposto a enveredar por esse justo caminho de ampliar as concessões. Mas, tem ocorrido com certa frequência, que os interessados não comparecem aos leilões, alegando que os editais estabelecem tantas exigências que o negócio fica de duvidosa viabilidade. Ademais, deixa-se de levar em conta a especificidade do momento que o país vive, de desindustrialização, de altos juros bancários, de crise econômica e política, onde se necessita criar atratividade para o investimento e não o contrário.
Na questão segunda, do “processo de fast-track para o licenciamento ambiental para obras estruturantes do PAC e dos programas de concessão”, toda uma nova concepção precisa ser construída, de tal forma que a defesa do meio ambiente seja algo de interesse para o empreendimento, e não alguma coisa que o exclua, e que portanto exclui o desenvolvimento do Brasil, e que, sendo assim, é alguma coisa ruim.
Por ausência de licenciamentos ambientais, dezenas de blocos arrematados na 11ª Rodada de Licitações da ANP, em maio de 2013, estão com suas atividades exploratórias atrasadas, sendo que “dos R$ 6,9 bilhões em investimentos obrigatórios totais previstos na fase exploratória, R$ 4,2 bilhões mal saíram do papel”. (O Globo, 18/01/2015). Dos 72 contratos da 12ª Rodada, de novembro de 2013, “47 tiveram de ser suspensos e, em alguns casos, cancelados pela ANP, que teve de abrir mão de R$ 389 milhões em investimentos mínimos. ” (id)
Sem desconsiderar a hipótese de exigências refletirem justo cuidado com o meio ambiente, duas observações devem ser discutidas: uma, é que há exigências despropositadas, que precisavam ser examinadas em nível superior de recurso, sem o que funcionam como entraves, de questionável importância, para o desenvolvimento do Brasil; a outra, é o ritmo em que os licenciamentos são feitos, com lentidão que muitas vezes sufoca os empreendimentos, razão pela qual tem todo cabimento pensar-se em medidas legais e regulatórias que garantam processos de fast-track (via rápida) em setores que precisam desses licenciamentos.
*Haroldo Lima é engenheiro, consultor na área do petróleo, foi ex-Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, e é do Comitê Central do PCdoB.