Terceirização: a força de trabalho como mercadoria

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Por Luciano Rezende *

“O modo de produção capitalista repousa no fato de que as condições materiais da produção encontram-se nas mãos dos que não trabalham, sob a forma de propriedade do capital e propriedade do solo, ao passo que a massa possui apenas a condição pessoal da produção – a força de trabalho”.

É essa força de trabalho o componente necessário para a produção em qualquer estágio da sociedade. Mas é somente sob o capitalismo que ela se transforma em mercadoria.

Se nos modos de produção anteriores (escravista e feudal) prevalecia uma complexa estrutura hierárquica, na época atual, onde vigora o capitalismo, as contradições de classe são simplificadas em dois campos com interesses opostos: burguesia e proletariado. E o desenvolvimento do capitalismo torna cada vez mais profundo o abismo entre essas classes. Prova disso é que pela primeira vez na história a riqueza acumulada de 1% da população mundial tende a superar a dos outros 99% já em 2016, segundo a organização britânica Oxfam.

Dessa forma, a discussão ora em voga - e que absorve os mais amplos setores da sociedade - sobre o Projeto de Lei 4330, que regulamenta a terceirização do trabalho no Brasil, pode ser dividido, grosso modo, entre esses dois polos, ou seja, os que coadunam com a essência do capitalismo e tratam o trabalho (consequentemente o trabalhador) apenas como uma mercadoria e, portanto, sujeito à maximização da extração da mais-valia; e aqueles que, em defesa da classe trabalhadora, valorizam o trabalho - mesmo sob a égide do capitalismo – além de sua esfera simplesmente mercadológica.

Nesse embate, de um lado firmou posição a Fiesp (e demais organizações da indústria nacional), as representações do comércio, o patronato em geral, os partidos de direita, e todos os liberais que, em uma santa aliança, buscam aumentar a eficiência no trabalho que, antes de tudo, significa aumentar a mais-valia relativa e, em alguns casos, até a mais-valia extraordinária. Tecnicamente estão corretos, pois de acordo com Marx “o valor da força de trabalho, como de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção e, consequentemente, também à reprodução deste objeto especial de comércio”. Nesse sentido, é inegável a eficácia do trabalho terceirizado em diversas situações.

Não se trata aqui, portanto, de desqualificar os méritos e as vantagens que a terceirização oferece à produtividade das empresas. A terceirização das atividades-meio melhora a eficiência nos resultados e traz benefícios para o contratante como redução de custos, otimização do tempo, possibilidade de expansão sem grandes investimentos e de conferir maior foco aos negócios centrais da empresa.

Entretanto, com o histórico de elevação da produtividade mundial em escala estratosférica, é de se esperar que o aumento dos direitos trabalhistas e a elevação do nível de vida dos trabalhadores acompanhem essa trajetória. Mas não é isso que assistimos nos países capitalistas, como o nosso.

Na China, por exemplo, os salários dos trabalhadores menos qualificados, oriundos do interior do país, aumentaram de 861 yuans (US$139) ao mês, em 2005, para 2.864 yuans hoje . Ou seja, em apenas uma década a remuneração desses trabalhadores mais que triplicou. Claro que uma importante razão para isso é o fato de o excedente populacional no campo estar se esgotando, mas é inegável o esforço do governo em oferecer melhores condições de vida aos trabalhadores, mesmo que isso impacte momentaneamente no PIB chinês.

Fato abominável é o oportunismo de setores do movimento operário, que se configura no exemplo mais clássico do que Lênin chamava de “aristocracia operária”. “Com o apoio da burguesia, a aristocracia operária ocupa postos de comando em uma série de sindicatos e, ao lado de elementos pequeno-burgueses, compõe o núcleo dos partidos socialistas de direita, representando sério perigo para o movimento operário. Esta camada de operários aburguesados é a principal base social do oportunismo”. Eis onde se situa a Força Sindical e seu ventríloquo Paulinho da Força, e a maioria dos dirigentes e parlamentares do PSB e PPS (ambos levam em seu nome a insígnia socialista, cada vez mais ultrajada por seus detratores).

Desse modo, do lado oposto à burguesia, os trabalhadores, a classe dos operários assalariados privados dos meios de produção e, consequentemente obrigados a venderem sua força de trabalho, precisam tomar consciência de seu interesse de classe. Lenin afirmou que “a classe operária não pode travar a luta por sua libertação sem se empenhar em influir sobre os assuntos estatais, sobre a direção do Estado e sobre a promulgação das leis”.

É nesse sentido que Projeto de Lei 4330 deve ser alvo de disputa pelos trabalhadores. O incrível avanço da produtividade do capitalismo deve refletir numa maior geração de empregos de qualidade e rendas (salários) mais dignos. Não por acaso, os países capitalistas mais avançados, EUA, Reino Unido e Japão, respectivamente, têm 13,1%, 22,9% e 23,8% de seus empregados sem contrato permanente (terceirizados). Já no Brasil, esse número chega a absurdos 66.9%.

Uma coisa é certa. Se dependermos da vontade de nossa burguesia, não só o aumento da mais-valia relativa será pleiteado, mas até a mais-valia absoluta, com os trabalhadores literalmente terceirizando o serviço após a jornada de trabalho, com ajuda da própria família, em tarefas externadas no próprio lar. Esse fenômeno é, inclusive, cada vez mais presenciado nas sociedades modernas.

 

* Luciano Rezende  é engenheiro Agrônomo, mestre em Entomologia e doutor em Fitotecnia (Melhoramento Genético de Plantas). Professor do Instituto Federal Fluminense (IFF).