Fugir da síndrome de adolescente e outras armadilhas das redes sociais
Por Cláudio Mota*
Em eventos sobre comunicação, boa parte do debate foca nas redes sociais, pela influência que exercem, e várias intervenções vão na linha de que precisamos entender suas características para falar melhor com os públicos para os quais queremos passar nossas ideias. Já temos contato e manuseio suficientes para conhecer, especialmente sobre as principais redes: o Facebook surgiu em 2004; o YouTube, em 2005; o WhatsApp, em 2009; e o Instagram em 2010.
Antes das características, é essencial diferenciar a comunicação geral da que deve ser feita por entidades classistas de esquerda. A geral é o que todo mundo vê e aplica do mesmo jeito. A classista precisa construir uma consciência crítica (em seus públicos e na sociedade), simplificar questões complexas, entender e ajudar a transformar realidades difíceis de quem mais sofre com as desigualdades. A comunicação que fazemos não a mesma que fazem personalidades ou entidades não classistas. Ao se produzir conteúdos e ações de comunicação, precisamos nos perguntar: esse novo fenômeno e essas novas ferramentas ajudam a realizar a tese classista? Ajudam a conscientizar pessoas para abraçar causas e transformar realidades? Um post, uma matéria, um vídeo, um card está cumprindo essa tarefa?
Fato é que devemos ter visão crítica aguçada, permanentemente, para colocarmos as redes sociais e suas ferramentas a serviço dessa transformação que a esquerda (partidos, entidades sindicais e dos movimentos sociais) propõe e pela qual luta. Não podemos cair em armadilhas colocadas com roupagem de novidades. Afinal, essas novas tecnologias pertencem a um pequeno grupo de empresários, que possuem ideologia e fazem política controlando o fluxo do pensamento e das ideias no mundo pelas redes sociais. No caso aqui, são dois: Elon Musk (X/Twitter) e Mark Zuckerberg (Facebook, Instagram e WhatsApp).
SÍNDROME DE ADOLESCENTE
A primeira grande armadilha imposta pelas redes é a síndrome de adolescente: tem fazer como todo mundo está fazendo para pertencer a esse "seleto" grupo do mundo das redes sociais. Adolescência é período de sentimentos dúbios e difusos. Busca-se ser e se mostrar livre de regras, mesmo sendo guiado e condicionado por "novidades" estabelecidas por outros. Busca-se ser diferente, mesmo sendo "forçado" (ou não) a ser e agir igual ao grupo a que quer pertencer. E por ai, vai!
Uma regra básica de comunicação diante de tanta poluição visual é se diferenciar para ser notado. Quem abriu os olhos para as inovações foram os japoneses, mostrando que o grande desafio diante dessa avalanche de modernizações é entrar nos "mundos novos", aprender como se faz e buscar fazer diferente. Buscar fazer melhor para ajudar a transformar realidades numa perspectiva avançada.
DITADURA DO ALGORÍTIMO x LIBERDADE
Outra armadilha é o discurso de liberdade, quando a real é o controle sobre o pensamento, as ideias e as pessoas. Quem comanda as postagens são os algoritmos, conduzidos pelos engenheiros das empresas. Alguém tem dúvida de que perfis de políticos, entidades e organizações são monitorados e seus conteúdos, controlados? Se o algoritmo define o que entregar, conteúdos de esquerda chegarão a quem o comando do processo quiser que chegue. Mesmo com impulsionamento pago! Passa-se a falsa ideia de que as redes sociais seriam a possibilidade “democrática” para quem não tinha espaço na grande imprensa, visando expor opiniões e se contrapor às manipulações dos grandes veículos.
E essas empresas não querem qualquer regulamentação das redes sociais. Recentemente, um grupo de mais de 200 pesquisadores entrou na Justiça contra a Meta (dona do Facebook, Instagram, Thread e WhatsApp). Pedem exatamente o que eles dizem defender: liberdade. Segundo o escritor Antonio Mello, na Fórum, eles querem se ver livres da ditadura dos algoritmos e que a Meta não decida mais o que eles veem ou não, que essa seja uma decisão do cidadão a partir de sua escolha livre no aplicativo. O processo judicial é uma medida preventiva para evitar que o Facebook bloqueie a ferramenta Unfollow Everything 2.0 (deixe de seguir tudo 2.0, em tradução livre), que o pesquisador pretende lançar em breve. A extensão tem o objetivo de facilitar a tarefa de tirar pessoas, páginas e grupos indesejados da própria rede social.
Sem esquecer o aspecto ideológico. Nas eleições para presidente dos EUA, Mark Zuckerberg declarou que apoiava Donald Trump, pois era conservador. E que o Facebook, também, era conservador. O egocêntrico Elon Musk sempre ataca governos e instituições que questionam ideias absurdas da direita. Isso já define a essência ideológica das plataformas, que direcionam todo o seu funcionamento.
DISPERSÃO x FOCO
Outras características da internet e das redes colocam mais armadilhas para a comunicação de esquerda. Elas nos condicionaram a dar respostas rápidas, nos deixando sem paciência para questões importantes. Essa exigência de velocidade prejudica o pensar, o planejar e o agir estratégicos. Vemos lideranças e profissionais de comunicação sem "saco" para reuniões e outros compromissos presenciais. Em eventos digitais, estão dispersos, combinando até duas atividades (afinal, a tecnologia permite).
Podemos ver que a internet e as redes estão produzindo o fracionamento do pensamento. Não cabem constância e solidez das ideias. Dispersam nossa atenção, quebram nossa unidade e não permitem fazer conexões de fatos. É receber a novidade, aplicar logo e passar adiante, pois já tem outras novidades chegando. Com suas velocidades, trabalham o elemento cognitivo das pessoas, induzindo esse processo de percepção e raciocínio sobre a informação que recebemos, como refletimos sobre ela e a decisão que tomaremos para agir. É pela cognição que desenvolvemos nossa capacidade de ler, pensar, raciocinar, perceber, compreender e tomar decisões. É preciso atentar que as redes estão dando o tom.
Se for só comunicação geral, tá normal. O problema é que falamos da ação da esquerda, que usa a comunicação para fazer lutas. E foco é essencial para impedir a dispersão, que prejudica a unidade de pensamento necessária para lutar. Um exemplo a ser analisado nesse ponto é a luta contra o "PL do Estupro", que mostrou a força das mulheres e relativizou a força da bancada evangélica. As manifestações levam várias palavras de ordem, sendo duas mais fortes: "Fora, Lira" e "Arquiva, Lira". São dois caminhos apresentados, mas é preciso decidir qual o foco e fazer conexões. Por exemplo: tem "Fora, Lira" nas redes e nas ruas, mas tem "Fora Lula" na Câmara dos Deputados, com mais de 30 pedidos de Impeachment. E quem decide se vota [e se arquiva] é Arthur Lira, em um espaço com ampla maioria conservadora.
PADRONIZAÇÃO E SAÍDAS
As plataformas, também, impõem padrões e normas para entregar o seu conteúdo. Ou se aceita ou não precisa ter perfil. Elas não estão nem aí, pois milhões aceitam (outras precisam fazer) o "jogo", garantindo milhões em dinheiro para Elon Musk e Mark Zuckerberg. Padronizar e tornar tudo igual condiciona o cérebro a não pensar diferente e a não encontrar alternativas que levam à transformação. Mas, é possível fugir dessas armadilhas e potencializar a luta usando nossos instrumentos políticos-teóricos e organizativos:
>> Contra a fragmentação do pensamento e o não fazer conexões, é fundamental debater comunicação com política e organização. E analisar os fenômenos pela base teórica classista do marxismo: a dialética, que permite fazer conexões necessárias entre as coisas e uma leitura crítica do cenário e da realidade;
>> Ajustar a estrutura organizativa nas entidades para melhorar a relação das lideranças com as categorias e a sociedade (o debate presencial faz muita diferença);
>> Ter equipes para fazer a guerra diária das informações e desenvolver pensamentos estratégicos, com orientação política;
>> Mesmo com os limites impostos, é impulsionar os conteúdos interessantes e politizadores;
>> Na luta política geral, produzir mais conteúdos que capitalizem os pontos positivos do governo Lula (esse é o principal debate ideológico no País: há algo de novo no Brasil com Lula?), sem esquecer de trabalhar suas contradições, apontando para ter que avançar à esquerda.
>> Ter claro que tecnologias e redes sociais são ferramentas para ajudar a organização nas bases e a ação política das nossas entidades e dos nossos dirigentes.
* Jornalista, publicitário, assessor de comunicação e ex-dirigente dos Comerciários de Salvador, PCdoB Bahia e PCdoB Salvador.