As expectativas em torno da CPI da Covid-19 no Senado
Jornalista, analista político e assessor parlamentar licenciado do Diap
Impressionante como a democracia brasileira e suas instituições mostraram-se frágeis quando foi exposta ao extremismo de direita. A “roda da história” também pode girar para trás. O País retroagiu. Que a investigação possa lançar luz e apontar caminhos razoáveis diante das tragédias que se abateram sobre o Brasil — a eleição de Bolsonaro e a pandemia do novo coronavírus, com todas as suas inconsequências.
A semana que se inicia vai ser de grande expectativa, com a instalação da CPI da Covid-19 no Senado. As especulações em torno do comando das investigações, com ares de teorias da conspiração, pululam na imprensa. Muitas são ingênuas e mais atrapalham que ajudam a compreender o papel da CPI. O colegiado vai ser instalado na próxima quinta-feira (22).
Este artigo tem o objetivo de tentar ajudar, na medida do possível, na dissipação dessas cortinas de fumaça em torno da investigação, que o Senado vai empreender em torno das ações (nefastas) e omissões (evidentes), por parte do governo federal, na gestão da pandemia.
A 1ª questão a ser esclarecida, é que CPI, em geral, tem caráter político de oposição. Governistas não pedem investigação do governo que apoiam e defendem. Assim, não haveria sentido instalar órgão investigativo “chapa branca” no Legislativo, para “passar pano” no Executivo.
CPI é para devassar e escarafunchar desmandos e desvios de governos.
A 2ª questão é que, sendo de oposição (a CPI), não teria sentido nomear relator governista ou “chapa branca” para produzir o documento (relatório) resultado da investigação. Daí as especulações em torno de um nome governista para relator da CPI beiram à tolice ou ao delírio.
Pode-se imaginar — diante do caos sanitário, da tragédia na saúde pública, das quase 400 mil mortes por Covid-19 e da trama, por parte do governo, sob a liderança de Bolsonaro, quase evidente, em deixar o vírus se proliferar indiscriminadamente para não ter que gastar com o combate à pandemia —, frente a isto tudo a criação e instalação de uma CPI “chapa branca”?
A convicção de que a CPI será obrigada a mostrar serviço nada tem a ver com otimismo ou senso de vingança. Trata-se apenas e tão somente do imperativo da realidade. Os senadores indicados para compor o colegiado não terão espaço para tentar amenizar a dura e fria realidade que se abateu sobre o Brasil. Se tentarem fazer isso pagarão muito caro. Então, já que toparam a empreitada, terão que assumir o ônus e o bônus da tarefa.
A história não vai perdoá-los se tentarem esconder os fatos, que dia após dia batem na “cara” do Brasil.
Os caminhos da CPI
A CPI não é nem poderá ser “chapa branca”. Isso vai ficar evidente logo na 1ª reunião do colegiado, que vai eleger o presidente, Omar Aziz (PSD-AM), que por sua vez vai indicar o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), que é temido pelo governo, porque foi vilipendiado pelo Planalto no pleito que elegeu Davi Alcolumbre (DEM-AP) presidente do Senado. Renan é um oposicionista declarado.
Não há chances de o acordo que permitiu a escolha de Aziz presidir o colegiado não se concretizar. Eleito presidente, se Aziz não nomear Renan relator, vai ser destituído da presidência dos trabalhos. Há alguma dúvida sobre isso?
O 2º passo — que vai expressar que a CPI não pode ser “chapa branca” —, serão os requerimentos de convocação de depoimentos ou oitivas. Alguém tem alguma dúvida que os primeiros a serem convocados serão os ex-ministros da Saúde?
Alguém tem alguma dúvida que o general de divisão Eduardo Pazuello será enredado na CPI? Se falar a verdade vai demolir o governo. É um “homem bomba”. Se ficar calado, sob o direito constitucional de não produzir provas contra si, seu silêncio será “ensurdecedor”. Não tem para onde correr ou se esconder.
O estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP
Atos, falas, fatos, documentos e farta legislação mostram que o governo, sob a liderança de Bolsonaro, executou “estratégia institucional de propagação do coronavírus”, revela pesquisa sobre as normas “produzidas pelo governo de Jair Messias Bolsonaro relacionadas à pandemia de Covid-19” veiculada em reportagem da jornalista Eliane Brum, do portal El País, em 21 de janeiro.
Na reportagem, Brum escreveu que “o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos, uma das mais respeitadas organizações de justiça da América Latina, se dedicam a coletar e esmiuçar as normas federais e estaduais relativas ao novo coronavírus, produzindo um boletim chamado Direitos na Pandemia — Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no Brasil.”
Esse consórcio produziu e lançou, em 21 de janeiro, edição especial na qual fizeram afirmação contundente: “Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”, escreveu a jornalista Eliane Brum.
Os senadores membros da CPI certamente já receberam esse documento. Já o conhecem. De posse desse já tem um roteiro do que aconteceu com o Brasil para chegar onde chegou. Portanto, não há como tergiversar diante das evidências. A CPI vai para cima do governo e de Bolsonaro, pois está acuada diante das abissais demandas que lhes serão feitas.
Da próxima quinta-feira em diante, e pelos próximos 3 meses ou mais, os olhos do Brasil e do mundo se voltarão para a CPI e seus resultados. Essa exposição — que a mídia tradicional e as redes sociais cobrirão com lupa grande —, impedirá que a CPI seja capturada, mesmo que alguns desejem ser capturados, pelos interesses do governo.
Que venha a CPI!