A necessária valorização do papel das mulheres na ciência

A necessária valorização do papel das mulheres na ciência
Ilustração: Juliana Adlyn/Cientistas Feministas

Professor no Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento – CEDET, Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica, IFSULDEMINAS – Campus Poços de Caldas e Presidente do PCdoB Poços de Caldas/MG.

A participação das mulheres na produção científica vem se intensificando. Descobertas e inovações de fundamental importância tiveram, ao longo da história, a marca indelével da participação feminina. Entretanto, a sociedade ainda não celebra seus nomes e testemunhamos uma elevada assimetria de oportunidades entre os gêneros, principalmente em determinadas áreas de pesquisa, como nas ciências exatas e nas engenharias.

Recentemente, um feito notável chamou a atenção do público brasileiro para a participação feminina na ciência. O sequenciamento do novo coronavírus, realizado pelas cientistas Jaqueline de Jesus e Ester Sabino, da Universidade de São Paulo (USP), apesar de timidamente celebrado, ajudou a destacar a qualidade da produção científica que as mulheres vem desenvolvendo, apesar dos desafios inerentes de um país que não investe consistentemente no trinômio inovação, ciência e tecnologia e das barreiras que se erguem frente à mulher pesquisadora.

Maioria nas graduações e pós, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), as mulheres representam apenas 10% dos pesquisadores em ciências exatas, entre os membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC), de acordo com o Instituto de Psicologia da USP. Em nível mundial, a realidade não é mais animadora. Estima-se que o número de pesquisadoras fique em torno de 28% e o reconhecimento do seu trabalho, através de premiações como o prêmio Nobel, chega apenas a 3% das indicações nas áreas científicas.

Uma história de lutas e conquistas

Ao longo da história, as mulheres sempre foram secundarizadas e sistematicamente excluídas dos ambientes de produção científica. A luta pelo acesso à educação formal e à universidade, rompendo preconceitos, foi e continua sendo árdua. Tornar conhecido e valorizar os feitos realizados por elas, além de investir consistentemente em políticas que lhes permita acesso igualitário aos espaços de pesquisa científica é uma necessidade premente, principalmente em um país, como o Brasil, eivado de carências e gargalos estruturais a ser superados. Elencamos aqui, alguns nomes que se destacaram ao longo da história:

Elizabeth Blackwell –primeira mulher a receber um diploma de medicina nos Estados Unidos, em 1849, menosprezada pelos amigos que não acreditavam que ela conseguiria ser aceita em um curso de medicina. Quando enfim conseguiu a titulação, era alvo de segregação, pois seus pares buscavam afastá-la dos alunos, todos homens, e evitar que participasse das aulas sobre reprodução, tido como tema inapropriado para mulheres.

Marie Curie – primeira pessoa a receber dois prêmios Nobel e a primeira mulher agraciada com essa honraria, foi responsável pela descoberta dos elementos químicos polônio e rádio. Sem apoio da família para estudar, no final do século 19, abandonou sua cidade natal, Varsóvia, e foi morar sozinha em Paris, com vistas a realizar pesquisas. É considerada uma das mais brilhantes cientistas da história, tendo seus restos mortais guardados no Panteão de Paris.

Bertha Lutz – seguiu os passos dos pais, o médico Adolfo Lutz e a enfermeira Amy Bruce Lee, sendo uma das maiores biólogas da história brasileira e pesquisadora do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Estudou Direito com o intuito de atuar de forma mais incisiva na luta pelo voto feminino no Brasil, conquistado em 1932. Dizia que “para a mulher vencer na vida, ela tem que se atirar. Se erra uma vez, tem que tentar outras cem. É justamente a nova geração a responsável para levar avante a luta da mulher pela igualdade”.

Rosalind Franklin – com o sonho de ser cientista, desde os 15 anos de idade, enfrentou as resistências da sociedade da época e se destacou nos estudos sobre os raios-x. Entretanto, sua grande contribuição insere-se no pioneirismo dos estudos em biologia molecular, sendo responsável por parte das pesquisas que redundaram na descoberta da forma helicoidal da molécula de DNA. Entretanto, sua contribuição não foi reconhecida na época e seus colegas de laboratório receberam o prêmio Nobel, em 1962, quatro anos após a morte de Franklin, sem mencionar seu papel na descoberta. É considerada uma das mulheres mais injustiçadas na ciência.

Chien-Shiung Wu – chinesa que se mudou com a família para os EUA, em 1936, foi a primeira mulher a se tornar membro da American Physical Society. Contando com o apoio do pai, um ativista pelos direitos das mulheres, estudou o enriquecimento do urânio e trabalhou no Projeto Manhattan, além de refutar a lei da conservação da paridade. Sua produção e trabalho ajudou a quebrar paradigmas. Dizia que “o principal bloqueio no caminho de qualquer progresso é e sempre foi a tradição inquestionável”.

Mae Jemison – primeira mulher afro-americana a chegar ao espaço, como especialista da missão do ônibus espacial Endeavour, em 1992. Médica, engenheira química e astronauta, Jemison .foi introduzida pelo tio no mundo da ciência. Ainda jovem, se interessou pelos campos da antropologia, da arqueologia e da astronomia, além disso foi médica voluntária em um campo de refugiados no Camboja. Após deixar a NASA, fundou a Jemison Group, Inc., que tem entre seus principais projetos a melhoria do sistema de saúde no continente Africano.

Poderia estender a lista de mulheres que tiveram grandes contribuições na ciência através de páginas, sem fim. Entretanto, acredito que essa singela amostra é suficiente para ilustrar a importância da valorização do papel feminino na produção científica e as dificuldades por elas enfrentadas.

Mulheres e meninas na Ciência

No último dia 11 de fevereiro, foi celebrado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Ocorreram ações e debates em várias instituições do país, visando a criação de mecanismos que possam romper a assimetria de oportunidades entre os gêneros, no âmbito da produção e da pesquisa científica. Cabe destacar iniciativas como a da deputada federal Alice Portugal (PCdoB/BA), responsável pela Lei 13.536/2017, que prevê a prorrogação da bolsa para pós-graduandas que derem à luz, adotarem crianças ou obtiverem a guarda judicial de crianças para fins de adoção e que apresentou, no mesmo dia onze, um projeto na Câmara dos Deputados propondo a criação do Prêmio Mulheres na Ciência Amélia Império Hamburger. Todo ano, o prêmio será concedido a três cientistas pelas suas contribuições de destaque nas áreas de ciências exatas, ciências naturais e ciências humanas. Como afirmou a deputada, “a ideia do prêmio surgiu dessa necessidade de reconhecer a excelência da participação feminina na solução dos grandes desafios da humanidade, podendo estimular a capacitação de mais mulheres cientistas, mitigando as desigualdades”.

O prêmio também é uma homenagem a Amélia Império Hamburger. A celebre cientista brasileira, obteve destaque na sua atuação como pesquisadora, física, professora e divulgadora científica. Professora no Instituto de Física da USP, foi uma das criadoras da Sociedade Brasileira de Física. Imbuída dos valores democráticos, foi uma das vítimas de prisão e tortura, durante o regime ditatorial que se abateu sobre o país.

Por fim, cabe mencionar a necessidade de combate ao chamado “efeito tesoura”, que aponta para a dificuldade das mulheres em alcançar o topo das carreiras científicas. Apesar de sua inserção no mundo da ciência, tarefas de cuidado ainda sobrecarregam as suas carreira científicas – as licenças maternidade para bolsistas Capes e CNPq tem apenas dez anos de vigência. Além do “efeito tesoura”, cabe destacar o “efeito Matilda”, no qual as mulheres são simplesmente invisibilizadas pelos seus pares. Esses são alguns dos desafios que se apresentam e que devem ser enfrentados permanentemente.