Por que o PT resiste à formação de uma frente ampla?

Por que o PT resiste à formação de uma frente ampla?

É jornalista, analista político e assessor parlamentar licenciado do Diap

Este debate entre estas 2 teses — frente ampla ou frente de esquerda — não é novo. Todavia, talvez hoje a singularidade, creio, seja o que está por trás da oposição à frente ampla, ora por oportunismo, ora por esquerdismo, alguns verdadeiros e outros dissimulados ou falsos. Há também partidismos, ou seja, líderes olhando apenas para o próprio umbigo, em detrimento da tragédia que se abateu sobre o País, com a eleição de Bolsonaro, agravada pela pandemia da Covid-19.

A tese da frente ampla para derrotar Bolsonaro e a extrema-direita vitoriosa nas eleições de 2018 é abraçada por amplos setores da esquerda e de sua variação ao centro. E até mesmo por setores da direita e sua variação ao centro. A força política que refuta a tese da chamada frente ampla é o PT e alguns partidos menores que gravitam em seu entorno.

O PT defende a tese da formação de uma frente de esquerda1, com PCdoB e PSol, já que não considera outros partidos como o PDT e o PSB, de esquerda. São considerados e se definem como de centro-esquerda.

Partidos como o PCdoB e o PDT defendem a formação de ampla frente política, que vai da centro-esquerda à centro-direita, para derrotar a extrema-direita que se instalou no poder e é mais ampla que Bolsonaro, o escolhido em 2018 para tocar o projeto neoliberal acalentado pela burguesia brasileira e o imperialismo estadunidense.

Ao refutar a tese da “frente ampla”, o PT se opõe fundado basicamente em 2 argumentos, talvez simplórios: “o PT já é uma frente”, usado, certa feita, por José Dirceu; e o outro é que o partido não vai se aliar com “golpistas”, isto é, com aqueles que defenderam e apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e promoveram a condenação e prisão do ex-presidente Lula. Já que em alguns estados, nas eleições de 2018, por exemplo, compôs com “golpistas”, como foi o caso de Alagoas.

Assim, segue esse debate, feito muitas vezes de forma errática, com avanços e recuos experimentados ou testados agora nas eleições municipais.

Frente ampla não é uma “invenção” brasileira
Mas o que é frente ampla? Quando surgiu essa formulação? Trata-se de frente única, que combina trabalho de massas, luta de massas, resistência de massas e nenhuma aventura ou partidismos, no caso brasileiro, contra o chamado “bolsonarismo”, cuja característica não é apenas o extremismo de direita, mas o reacionarismo, que resvala para o neofascismo e o neonazismo.

A tese da frente ampla ou única2 foi apresentada pelo dirigente e membro do Comitê Executivo da Internacional Comunista e do Comitê Central do PCB (Partido Comunista Búlgaro), George Dimitrov (1882-1949)3, no 7º Congresso da 3ª Internacional Comunista4, realizado entre 25 de julho e 20 de agosto de 1935, em Moscou, contra o nazifascismo, que avançava na Europa, nas antecedências da 2º Guerra (1939-1945).

A tese não só se confirmou correta, mas vitoriosa! Aquela célebre foto em que posaram juntos os líderes da Grã-Bretanha, Winston Churchill; dos EEUU, Franklin D. Roosevelt; e o da então União Soviética, Josef Stálin, na Criméia5 foi a síntese ou expressão mais bem desenhada da correta formulação da frente ampla (contra o nazifascismo); sem a qual o desfecho da escaramuça mundial poderia ter sido outro.

Vitórias eleitorais, sob frentes amplas
É incompreensível, em certa medida, a resistência à formação de frente ampla para vencer a extrema-direita, pois desde as vitórias de Lula, entre 2002 e 2006, até a eleição (2010) e reeleição de Dilma (2014), se deram por meio de frentes amplas. E reparem que antes das chamadas “jornadas de junho” de 2013, a atmosfera política não estava tão carregada quanto hoje no pós-impeachment.

Em 2002, por exemplo, quando Lula disputou, depois de 3 derrotas, e venceu na sua 4ª campanha presidencial — sob a aliança com o capital produtivo, pois teve como vice-presidente o grande empresário têxtil José Alencar, que era do PL (Partido Liberal) —, a coligação envolveu o PT, PL, PCdoB, PMN e PCB6. Isto é, era ampla socialmente e economicamente. Em 2006, a coligação foi restrita partidariamente, com PRB e PCdoB7, pois Lula encerrou o 1º mandato (2006), muito bem avaliado8, mas foi ampla socialmente, apesar da grave crise política provocada pelo chamado “mensalão”.

A vitória da 1ª mulher (Dilma Rousseff) à Presidência da República, em 2010, foi por meio de frente ampla: PT, PMDB, PDT, PCdoB, PSB, PR, PRB, PSC, PTC e PTN9. Dilma venceu o candidato tucano, José Serra no 2º turno, com 55.752.483 votos (56,05% dos votos válidos). Serra obteve 43.711.388 votos (43,95%).

Em 2014, na reeleição de Dilma, não foi diferente. A petista renovou o mandato, em 2º turno, sob a frente “Com a Força do Povo”, composta por: PT, PMDB, PSD, PP, PR, PDT, PRB, Pros e PCdoB10. Frente mais ampla que aquela, naquele momento, não poderia existir.

Não se pode esquecer que aquela vitória foi por uma diferença de apenas 3,38% contra Aécio Neves (PSDB)11 e já prenunciava, embora não detectado, o quadro de gravíssima crise política, que evoluiu com o afastamento de Dilma pela Câmara, em 17 de abril de 2016, por 367 votos favoráveis, 137 contrários, 7 abstenções e 2 ausentes. E confirmado pelo Senado, em 31 de agosto de 2016, por 61 a 20. E a prisão de Lula, que ocorreu em 7 de abril de 2018.

Em 2018, quando Lula foi impedido de concorrer às presidenciais e o candidato foi o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), a coligação foi restrita e reuniu apenas o PRB e o PCdoB. Haddad obteve, no 2º turno, 47.040.906 (44,87% dos votos válidos)12, mais ou menos, os votos obtidos por Lula e Dilma, em seus respectivos primeiros turnos, entre 2002 e 2014. O que demonstrou perda de musculatura política e densidade eleitoral:

• Lula 2002: 39.455.233 (46,44% dos votos válidos)13; e 2006: 46.662.365 (48,61%)14; e

• Dilma 2010: 47.651.434 (46,91%)15; e 2014: 43.267.668 (41,59%)16.

Este brevíssimo ensaio não é para provocar ou espicaçar o PT e sua militância. A ideia é estimular o debate diante de dados e fatos político-eleitorais talvez irrefutáveis. Diante do caos em que o País se encontra e a miséria em que o povo brasileiro foi jogado, não cabem mais experimentos ou teses que se confirmaram errôneas. Os partidos progressistas só terão chances de vencer em 2022 sob ampla aliança, como acorreu entre 2002 e 2014.

Os números das eleições municipais de 2020, salvo melhor juízo, podem ter confirmado que a rejeição ao PT ou antipetismo não arrefeceu. O partido caiu de 255 prefeituras para 18317. Pela 1ª vez, desde 1985, o partido não elegeu nenhum prefeito de capital. Em 2012, o PT elegera 635 prefeitos18 e em 2016 caíra para 255.

Vitórias em 2020
Nas eleições municipais deste ano, não foi diferente. No 2º turno, nas capitais onde houve frente ampla, os candidatos apoiados por Bolsonaro foram derrotados. A propósito, o presidente da República sofreu fragorosa derrota nesta eleição19. Os casos mais notórios foram Rio de Janeiro, Fortaleza e Belém20.

No Rio, Eduardo Paes (DEM) venceu Marcelo Crivella (Republicanos) com ampla margem de diferença — respectivamente, 64,41% a 35,59%, dos votos válidos.

Em Fortaleza, José Sarto, do PDT (51,69%) derrotou o Capitão Wagner, do Pros (48,31%) por apenas 3,38% dos votos, ou seja, se não fosse por meio de frente ampla, a partir de 2021 até 2024, a capital do Ceará seria governada por um bolsonarista raiz.

Em Belém, capital do estado do Pará, Edmilson Rodrigues, do PSol (52%) derrotou o Delegado Federal Eguchi, do Patriotas (48%). A mesma situação política de Fortaleza.

Em Vitória, onde o PT disputou “vis-à-vis” com o bolsonarismo, perdeu. O que, em grande medida, demonstra e/ou confirma a tese da “rejeição resiliente” ao partido. O Delegado Pazolini, do Republicanos, venceu com 58% dos votos válidos, contra João Coser, do PT, que obteve 41%. A diferença foi bastante elástica.

Resistência do PT
Há dúvidas e perguntas que são intrigantes nesse debate. Arrisca-se 2 que são simples e básicas:

1) Por que o PT resiste à formação de uma frente ampla?; e

2) Qual a dificuldade de o partido enxergar o antipetismo?

Encarar o chamado antipetismo sob a égide da realidade dos fatos não é sucumbir ou aceitá-lo sem luta. Mas admitir que existe e é forte ajuda a buscar caminhos adequados para sua superação.

Hipóteses
1ª hipótese, com pitadas de opinião, sobre a resistência de o PT aceitar e/ou aderir à formação de uma frente ampla é que sob essa conformação, a legenda terá muita dificuldade de se impor como “cabeça” de chapa. Não só há hoje e crescendo, resistência ao chamado “hegemonismo petista”, como há também outras lideranças que poderão ter melhor performance eleitoral, em razão da rejeição ao PT.

2ª hipótese ou variável, essa talvez inconfessa ou impublicável, que faz com que o PT resista e não abra mão de indicar o presidenciável é o fato de que o processo eleitoral é referenciado pelo partido que encabeça a chapa ou coligação. Isso confere e permite mais visibilidade, em todos os sentidos, ao “partido cabeça”, e assim proporciona, por exemplo, mais condições de eleger candidatos ao Congresso, em particular à Câmara dos Deputados. Quanto mais deputados e senadores um partido elege, mais recursos carreia para os fundos partidário e eleitoral e também proporciona mais tempo de rádio e TV à legenda. Não é pouca coisa!

3ª hipótese é que numa frente de esquerda — com PCdoB, PSol e outras legendas menores, e até partidos de centro-esquerda e centro, desde que sob a batuta do partido de Lula —, como advoga o PT, a legenda não só topa como defende, pois, numa conformação assim fica mais fácil se impor como maior partido e força hegemônica. Essa conformação mostrou-se frágil eleitoralmente em 2020. Será que teria sucesso em 2022?

Diante destas 3 hipóteses, se estiverem corretas, pelo menos no plano da análise, o PT poderá ter muita dificuldade de se impor e ampliar seu arco de forças e influências, sob sua liderança, para disputar as eleições de 2022; mesmo sob Lula, que ainda está inelegível.

Até porque, o País precisa mais que 1 partido e/ou 1 nome “salvador”. O Brasil precisa antes de projeto de desenvolvimento soberano para apresentar e debater com o povo!