A história bem contada e a luta da classe trabalhadora no cinema
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Dois filmes da década de 1980 se revelam importantes para a compreensão sobre a necessidade do conhecimento da História. Por diversos fatores, conhecer o passado se mostra essencial para o entendimento do presente e, com isso, ter consciência da necessidade de construir um futuro diferente, melhor.
“Eles Não Usam Black-tie” (1981), de Leon Hirszman (1937-1987) – um dos principais nomes do Cinema Novo – mostra a reorganização do movimento operário na capital paulista. O filme se passa em 1979, quando metalúrgicos decidem realizar uma greve por melhorias salariais, condições de trabalho e por democracia.
Hirszman se baseia na peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), de 1958, e mostra as diferentes linhas de entendimento para o encaminhamento das lutas. Guarnieri é o líder sindical Otávio. Em plena ditadura (1964-1985), as greves eram proibidas, mas o movimento popular já se reorganizava em defesa da democracia e contra o Estado repressor e extremamente violento contra os mais pobres.
Toda a trama destaca as posições ideológicas das lideranças dos trabalhadores e a apatia ao movimento de setores do operariado, como o próprio filho de Otávio, Tião (Carlos Alberto Riccelli), que fura a greve com medo de perder o emprego. Tião está prestes a casar com Maria (Bete Mendes), também operária e pobre. Ela, no entanto, não se dobra à tentativa autoritária de Tião em proibir-lhe de participar da greve.
Eles Não Usam Black-tie (1981), de Leon Hirszman
Numa entrevista para a Central Única dos Trabalhadores, em 2001, Guarnieri disse que “quando foi retomado o tema do black-tie, a história do black-tie, para nós, era uma alegria – talvez esse não seja o termo, porque vinha uma tristeza junto. Mas era essa alegria do fazer, do falar, de se comunicar a respeito de coisas tão importantes, porque dizem respeito profundamente à vida. E à vida de quem? Da maioria, do grande coletivo que é o povo. Para nós, por exemplo, artistas, que estamos sempre preocupados com esse tipo de problema, era fundamental ver ressurgir o movimento operário, ressurgir o movimento sindical na sua pujança”.
O filme, que ainda tem no elenco Fernanda Montenegro, como Romana, companheira de Otávio, e Fernando Ramos da Silva (1967-1987) – que em 1980 protagonizou o filme “Pixote: a Lei do Mais Fraco”, de Hector Babenco –, como Bié, irmão adotivo de Maria. Além de Francisco Milani (1936-2005), Milton Gonçalves, João Acaiabe e Lélia Abramo (1911-2004). Não fosse o grande trabalho de Hirszman e a qualidade do roteiro, esse elenco bastaria para atrair a atenção.
“Eles Não Usam Black-tie” se mostra importante em 2020, com todas as importantes conquistas da classe trabalhadora sendo jogadas no lixo por um desgoverno interessado em destruir tudo. O movimento sindical vive um dilema fundamental para a sua reorganização, que vem sendo construída mesmo com todas as dificuldades postas no caminho pelos neoliberais no poder no Estado.
O filme pode ser assistido no canal de TV paga Curta. Vale acompanhar a programação desse canal ou assistir pelo YouTube.
Trailer oficial de A História Oficial (1985), de Luís Puenzo
Outra obra-prima do cinema é o argentino “A História Oficial” (1985), de Luis Puenzo. Além de ganhar o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, em 1986, a obra retrata um período triste da história argentina através do olhar de uma professora de História, bastante conservador inicialmente, Alicia (Norma Aleandro).
Alicia é casada com Roberto (Héctor Alterio), um executivo de sucesso. O casal adota Gaby (Analía Castro) e com a volta de Ana (Chunchuna Villafañe) do exílio, Alicia passar a suspeitar de que Roberto era um colaborador da ditadura e Gaby filha de presos políticos assassinados pela repressão.
O filme mostra com sensibilidade a repressão contra os movimentos pela democracia e da dificuldade de se estabelecer a verdade quando a verdade envolve a possibilidade de perder a filha para a família da qual a menina foi roubada. Mesmo assim mostra que estabelecer a verdade é mais importante do que viver uma mentira. Muito atual nestes tempos de fake news.
Em pleno século 21, com a ascensão do fascismo em diversas partes do mundo, este filme traz importantíssimas reflexões sobre a necessidade de engajamento permanente em defesa da liberdade, de justiça e de respeito às diferenças, sejam de pensamento ou comportamentais. “A História Oficial” pode ser assistido pela plataforma Netflix.