China versus EUA: um confronto que pode durar décadas
Membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB, responsável pela Solidariedade Internacional
A última semana foi marcada por uma escalada de conflitos entre os Estados Unidos e a China, desde o campo diplomático ao militar.
Na sexta-feira (24), a China determinou que os Estados Unidos encerrem as atividades de seu consulado na cidade de Chengdu. Foi uma atitude recíproca à ordem emitida pelo presidente Donald Trump para que o país asiático fechasse o Consulado Geral em Houston (Texas).
Como sempre, seguindo os princípios da prudência, bom senso e equilíbrio, o ministério chinês das Relações Exteriores, limitou-se a dizer que se tratava de uma contramedida “legítima e necessária” ao ato unilateral e injustificado de Washington, não falou em confronto e apelou a que os Estados Unidos revejam a política de hostilidade para evitar uma escalada de tensões. Expressou ainda o desejo de que as coisas voltem à normalidade e as relações percorram os caminhos do entendimento, ainda que cada um mantenha suas próprias visões e interesses.
Os episódios envolvendo os consulados de Houston e Chengdu fazem parte de uma escalada sem precedentes em meio à crescente tensão nas relações entre Washington e Pequim, que se deterioram devido à intensa guerra comercial e tecnológica, disputas sobre a administração da pandemia, ingerências nos assuntos internos chineses a partir da nova legislação de segurança para Hong Kong e posicionamentos militares envolvendo mobilização de belonaves na área do Mar do Sul da China, que podem ter desdobramentos estratégicos
As alegações de Trump para o fechamento do consulado chinês em Houston não encontram respaldo na realidade. O Departamento de Estado não conseguiu demonstrar que funcionários chineses tenham roubado dados da vacina americana. Tudo indica que as autoridades americanas laboram em erro e mais dia menos dia vai se tornar patente a obrigação de rever a decisão. A China participa ativamente da cooperação internacional na pesquisa e desenvolvimento da vacina contra a Covid-19, com respaldo da Organização Mundial de Saúde e parcerias com países, entre eles o Brasil, via estado de São Paulo/Instituto Butantan. Os ensaios de algumas vacinas chinesas estão adiantados e em torno deles há grande expectativa no mundo.
Para além das estratégias diferentes – os EUA apostando no unilateralismo e perseguindo lucros, a China investindo na cooperação e prometendo tornar sua vacina bem público da humanidade – ficou patente uma disputa ideológica que tem a ver com interesses geopolíticos e cosmovisões distintas. Os Estados Unidos enveredaram pelo caminho da politização e estigmatização da pandemia, designando o novo coronavírus como “vírus chinês”, enquanto exibiam a vulnerabilidade do seu sistema sanitário, incapacidade para lidar com um problema complexo de saúde pública e o obscurantismo do inquilino da Casa Branca, que preferiu se eximir de responsabilidades adotando a postura negacionista. Os chineses, por seu turno, foram tempestivos, precisos, enérgicos e abrangentes no enfrentamento da pandemia, conseguindo contê-la em pouco tempo e enfrentando o problema com visão ampla. Combinaram a defesa dos seus interesses nacionais com ciência e visão política internacional baseada no multilateralismo.
Quanto ao Mar do Sul da China, tudo indica que será problema agudo nos próximos anos, e sobre Hong Kong a China mais uma vez deixou claro que se trata de um problema interno e rechaçou qualquer tipo de ingerência.
Paralelamente, o país asiático, que ocupa cada vez mais espaços econômicos e políticos com a assertividade de sua diplomacia, consegue dar novos passos em áreas sensíveis.
Sobre a delicada questão do Oriente Médio,o presidente Xi Jinping conversou por telefone com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas e reafirmou o engajamento na criação do Estado Palestino independente, com as fronteiras anteriores à expansão da ocupação israelense em 1967, em conformidade com o direito internacional e resoluções da ONU.
Relativamente à América Latina e Caribe, o chanceler chinês Wang Yi se comprometeu, durante uma videoconferência, a trabalhar com os países da região para enfrentar os múltiplos desafios apresentados pela Covid-19 e contribuir em conjunto para a recuperação econômica mundial.
A China apresentou na conferência propostas para avançar na cooperação com a América Latina, incluindo a ajuda mútua para salvaguardar a economia e a subsistência das pessoas, avanço da construção conjunta da iniciativa de comércio e investimentos em infraestrutura denominada Cinturão e Rota, além do fortalecimento da cooperação para melhorar o ambiente internacional.
Doravante, a China e os Estados Unidos trilharão caminhos divergentes e opostos. Tudo leva a crer que nas próximas décadas a rivalidade sino-americana estará no centro dos contenciosos internacionais. A China tem uma política de paz e desenvolvimento, o que requer contornar os conflitos com a superpotência do norte e evitar que se transformem em confrontação trágica. Mas objetivamente, será assertiva e defenderá seu lugar no mundo. Já os Estados Unidos tendem a reagir com violência no seu longo mas irreversível declínio.