ECA 30 anos: “O futuro está no sorriso de uma criança”
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Sob os ventos da luta pela democracia, culminando com o fim da ditadura em 1985, e no embalo da Constituição Federal, promulgada em 1988, garantindo educação, saúde e respeito às crianças e jovens, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no dia 13 de julho de 1990, Lei 8.069/1990. O que mudou na vida das crianças e adolescentes nesses 30 anos?
Terrivelmente combatido pelos setores conservadores, o ECA mudou o conceito de infância e adolescência, reconhecendo-os como pessoas em desenvolvimento e, portanto, necessitando de proteção da família, do Estado e da sociedade. Infelizmente não é bem o que acontece no Brasil.
“Um país que não cuida de suas crianças e jovens está fadado ao fracasso como nação soberana, comprometendo o seu futuro”, argumenta Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Ela lembra que ao contrário da pregação dos setores da sociedade que defendem a repressão a essa parcela da população, “o ECA instituiu direitos e deveres e inclusive medidas socioeducativas para adolescentes infratores”.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existiam no Brasil, em 2019, mais de 69 milhões de pessoas de zero a 0 a 19 anos. Já o estudo “Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2020”, da Fundação Abrinq, apresenta dados nada alentadores.
Segundo o levantamento, em 2018, 46% das crianças e adolescentes de zero a 14 anos viviam em situação de pobreza. E para piorar, ainda segundo o estudo, ocorreram 9,8 mil homicídios contra pessoas de zero a 19 anos, em 2018, sendo que 80% das vítimas eram negras. No caso de mortes por policiais, 27,2% das vítimas foram pessoas entre zero e 19 anos no mesmo período.
Como mostra o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a violência doméstica atinge em cheio as crianças e adolescentes de diversas formas. “Para a sociedade parecer ser mais fácil reprimir, violentar, encarcerar, punir ou até matar do que educar”, analisa Luiza Bezerra, secretária da Juventude Trabalhadora da CTB.
A nova indicação do desgoverno de Jair Bolsonaro para o Ministério da (falta de) Educação, Milton Ribeiro comprova as palavras da sindicalista. Ribeiro defende castigos físicos em crianças como método de educação e a submissão da família ao patriarca, haja o que houver. Qualquer semelhança com o século 18, não se trata de mera coincidência, é retrocesso mesmo
“Essa situação catastrófica ocorre com a existência do ECA, imagine se ele fosse revogado como querem os setores interessados em encher as cadeias de adolescentes de famílias pobres e enxergam a punição e a vingança como o jeito de lidar com questões humanas”, reflete Luiza.
Assista o vídeo sobre a importância do ECA
Para Ricardo Augusto Yamasaki, professor e advogado, especialista em direitos da criança e do adolescente, “o estatuto é um marco legal importantíssimo e um avanço, exemplar a muitas outras legislações”. Segundo ele, o ECA “ajudou e continua a contribuir com o país para uma cultura de direitos relativos à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, formação profissional, cultura e de respeito à dignidade, à liberdade e à convivência familiar e comunitária em favor de crianças e adolescentes”.
A falta de eficácia na prática da lei pelo respeito à vida das crianças e adolescentes ocorre “muito pela falta de interesse político, como também, pela má interpretação do ECA, em sua aplicação”, analisa Ricardo.
Isso porque ainda existem no país, 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos explorados pelo trabalho infantil, como mostra o IBGE e 1,7 milhão, em idade escolar, fora da escola.
Como assinala. Michele Rocio Maia Zardo, procuradora de Justiça que coordena o Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente e da Educação, a estratégia de punição e descaso com a educação custa caro aos cofres públicos.
Segundo Michele, “um adolescente internado, cumprindo medida socioeducativa, custa aos cofres públicos entre R$ 9 mil e R$ 14 mil por ano, enquanto que, se inserido no sistema de ensino, o custo é de R$ 4 mil pelo mesmo período”. Mas o projeto do desgoverno Bolsonaro é não ter educação para as filhas e filhos dos mais pobres.
“A falta de vontade política impede a implementação de políticas públicas com mais investimentos em educação e espaços para as crianças desenvolverem plenamente todo o seu potencial”, sinaliza Flora Lassance Briosche, secretária de Políticas Sociais da CTB-BA.
Ela acredita ser necessário “maiores investimentos nos Conselhos Tutelares (órgãos responsáveis por promover os direitos das crianças e adolescentes) e em educar a sociedade para uma visão de respeito às crianças e adolescentes”.
Antes do ECA, argumenta Flora, “o Código de Menores preocupava-se em manter a ordem social a qualquer custo, encarcerando qualquer criança ou adolescente em dita situação irregular – leia-se filhos de famílias pobres”. Isso mudou, mas “o enfoque neste momento da vida do país está na repressão”, acentua. “O Estado esqueceu o compromisso com a proteção e a prevenção de violações”.
Victor Frota, secretário de Políticas Sociais da CTB-DF, acredita que o ECA “deveria nortear todas as políticas públicas pelos direitos das crianças e adolescentes, mantendo suas vidas protegidas e em segurança” e proporcionar “a todos uma vida com educação, saúde, acesso à cultura, ao lazer e ao esporte com escola em tempo integral para valer e com infraestrutura suficiente para todo o processo de ensino e aprendizagem”.
Flora afirma que esses “desafios já existiam antes da pandemia do coronavírus e agora se tornaram maiores” porque “no Brasil, assim como no mundo inteiro, a pobreza afeta mais as crianças do que o resto da população e a pandemia agrava a vulnerabilidade de crianças e adolescentes”.
Para Ricardo, os “conceitos, princípios e diretrizes” do ECA “já fazem parte do consciente e do inconsciente das pessoas que é o maior objetivo de uma lei”. De acordo com o advogado, “a sua aplicação, contudo, que muitas vezes depende de questões orçamentárias é que precisa ser revista” e se “o princípio da proteção integral ainda passa longe no dia a dia de muitas pessoas já é reconhecidamente, o princípio dos mais importantes da lei”.
Mas “a defesa da vida das crianças e adolescentes deve ser prioridade absoluta para uma nação que almeje uma sociedade democrática com cidadãs e cidadãos conscientes de seus direitos e deveres para a vida ser digna para todas e todos”, finaliza Vânia. “O futuro está no sorriso de uma criança”.