E se as mulheres ocupassem metade das cadeiras do Congresso?
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Antes das medidas de isolamento social, que provocaram um aumento dos casos de violência doméstica em praticamente todos os países atingidos pela pandemia do coronavírus, o Ministério da Saúde já indicava que, a cada 4 minutos, uma mulher sofre algum tipo de agressão no Brasil. Levantamento da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) confirma que a cada 11 minutos uma brasileira é estuprada no país.
Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atesta que as trabalhadoras recebem, em média, 20,5% menos do que os homens em todas as ocupações pesquisadas. E que 56,9% dos brasileiros em situação de pobreza são mulheres, sem cônjuge e com filhos de até 14 anos.
Será que esse quadro seria o mesmo se as brasileiras, que hoje representam 51% da população do país, ocupassem metade das cadeiras do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais ou tivessem como competir em condições de igualdade nas eleições para prefeituras, governos estaduais ou federal?
Muito provavelmente não!
Embora o Brasil tenha sido o primeiro país latino-americano a eleger uma mulher para comandar uma prefeitura –Alzira Soriano, na cidade de Lages, no interior do Rio Grande do Norte em 1928– passados 90 anos, as brasileiras seguem sendo minoria em todos os níveis de governo. Ou seja, estão longe de influir nas tomadas de decisão política do país e isso acaba refletindo diretamente no dia-a-dia delas.
O fim da sociedade patriarcal
Para a escritora chilena Isabel Allende, que se prepara para lançar em novembro um livro sobre o feminismo, intitulado “O que queremos as mulheres”, a pandemia poderá levar a humanidade a um novo mundo, em que o comando do planeta seja dividido igualmente entre homens e mulheres. O que representaria o fim da sociedade patriarcal.
Em entrevista esta semana, por videoconferência, à agência de notícias AFP, a escritora chilena explicou seu ponto de vista: “A reação masculina em face de uma emergência, uma crise, uma ameaça, é fugir ou combater. A das mulheres é fechar um círculo, colocar as crianças no meio e ver como o grupo resolve a situação. As mulheres têm uma maneira democrática, inclusiva e circular de resolver problemas e enfrentar ameaças. Os homens não. Por isso, a direção do mundo tem que dar o mesmo peso aos valores masculinos e femininos”.
As eleições municipais deste ano poderiam ser um ponto de partida para tal mudança. Mas a realidade mostra ainda um longo caminho a ser percorrido.
O Perfil das Prefeitas do Brasil (2017-2020), resultado de uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Alziras, dá a noção exata desta distância. Hoje as mulheres comandam apenas 11,7% das prefeituras do país, sendo que 91% delas administram municípios com até 50 mil habitantes. O que significa que elas governam apenas 7% da população brasileira.
E não é por falta de preparo que essas mulheres não conseguem ampliar essa marca: 71% dessas prefeitas têm curso superior, 70% delas já ocuparam funções públicas não eletivas ou de confiança antes de se elegerem para o cargo e 60% já haviam sido eleitas para outros cargos. Além disso, as eleitas mostram sintonia com as principais demandas da sociedade brasileira: 85,2% delas tem como prioridade a Saúde e 84,9% a Educação.
A constatação é de que os percalços para elas ampliarem seu espaço de poder são maiores do que os enfrentados pelos homens. Pelo menos 53% dessas mulheres admitem já ter sofrido algum tipo de assédio ou violência política e 48% não tiveram apoio financeiro suficiente de seus partidos para suas campanhas.
Levantamento da ONU Mulheres na América Latina e Caribe indica que essa violência política também é registrada dentro do Legislativo: 81,8% das parlamentares ouvidas admitiram ter sido vítima de violência psicológica, 44,4% receberam ameaças de morte, estupro, espancamento ou sequestro, 25% foram alvo de violência física dentro do Parlamento e 38,7% admitiram que a violência política minou a implementação de seus mandatos e de sua liberdade de expressão.
Vacina cívica
Situações essas que levam muitas destas mulheres a deixarem a política e desestimulam tantas outras a ingressarem neste mundo ainda extremamente masculino. Mas é preciso ter claro que enquanto nós, mulheres, permitirmos a terceirização da nossa participação na vida pública brasileira, nossa voz não será ouvida como gostaríamos e o atual cenário de desigualdade dificilmente será revertido.
A ministra Carmen Lúcia, que durante seu mandato como presidente do Supremo Tribunal Federal ajudou a assegurar a destinação de 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas em 2018, fez um alerta essa semana durante um debate virtual com o Grupo Mulheres do Brasil e sugeriu uma “vacina cívica” para o enfrentamento do atual momento.
Para Carmen Lúcia, “é preciso assumir as rédeas do Brasil, do nosso destino, se não quisermos ser apenas expectadoras da história do país”. O que, na sua opinião, deverá motivar mobilizações populares por mais democracia, mais dignidade e igualdade. Sua expectativa é de que a luta das mulheres, “dentro de uma sociedade ainda extremamente machista, preconceituosa e violenta” em relação ao sexo feminino, se transforme numa luta de todos os brasileiros.
Fica aqui a nossa torcida, para que assim seja! Mas para isso, cada mulher precisará fazer a sua parte.