O 1º de Maio na história: como nasceu o Dia do Trabalhador

O 1º de Maio na história: como nasceu o Dia do Trabalhador

Escritor, historiador e ativista social

Os Estados Unidos surgem como nação independente em 1776, após romper seus laços coloniais com a Inglaterra. Cedo põem-se na estrada do forte crescimento capitalista. Entre 1820 e 1860, a população passa de 9,6 milhões a 31,3 milhões, graças ao forte afluxo imigratório, sobretudo de irlandeses, alemães e escandinavos. Essa massa concentra-se principalmente nos estados do norte da Federação, onde, ao contrário do que sucede no Sul, o escravismo ainda existente é muito débil.

Os imigrantes vêm a constituir a mão-de-obra fundamental das nascentes fábricas norte-americanas. Junto com eles chega também Robert Owen, o socialista utópico que tenta criar colônias igualitárias em terras do Novo Mundo. Ele começara sua experiência em New Harmony no dia 1º de maio de 1825. Em poucos anos, todas as suas tentativas se revelarão frustradas – mas essa data tem valor simbólico, pois diz respeito à primeira tentativa de organização política de núcleo operário nos Estados Unidos.

A condição dos trabalhadores é, no geral, idêntica à dos europeus – horas intermináveis de trabalho e salários que não possibilitam nem mesmo a reprodução da mão-de-obra. Em 1827, carpinteiros, pedreiros, marceneiros e vidraceiros de Filadélfia realizam a primeira greve – e criam a Union of Trade Associations of Philadelphia (União das Associações de Trabalhadores de Filadélfia). É o nascimento do movimento sindical norte-americano, embora ainda muito franzino.

Em 1842, depois de várias petições, é votada a lei de dez horas diárias de trabalho para as crianças, válida para os estados de Massachusetts e de Connecticut. Três anos depois, realiza-se o primeiro congresso operário norte-americano, o qual defende em sua plataforma a luta pela jornada de dez horas para todos. O estado de New Hampshire aceita essa reivindicação, mas a constante chegada de novos imigrantes e a usura dos patrões invalidam a lei.

O norte industrializado e o sul agrário e escravista entram em guerra civil em 1861. Depois de quatro logos e dramáticos anos, o sul é derrotado e termina a escravatura com a libertação de todas as forças da nação para o desenvolvimento das relações de produção capitalistas. Com a volta dos soldados à vida civil e a desmobilização das fábricas, cresce a necessidade por novos empregos e aumenta a pressão social pela diminuição das horas de serviço para encontrar colocações para os ex-combatentes.

Em agosto de 1866, o congresso operário de Baltimore discute esses problemas e adota a seguinte resolução: “A primeira e grande necessidade do presente, para libertar o trabalho deste país da escravidão capitalista, é a promulgação de uma lei em que oito horas devem constituir a jornada de trabalho normal em todos os Estados da União norte-americana. Nós estamos decididos a empenhar toda nossa força até que seja atingido esse glorioso resultado”.

Nesses mesmos dias, a Internacional, em seu congresso de Genebra, assumira posição semelhante e provavelmente poucos participantes dos dois encontros tiveram notícia de que, em outra parte do globo, na Austrália, os pedreiros – primeira categoria de operários a aparecer no mundo – acabavam de conquistar a jornada de oito horas.

Em 25 de junho de 1868, o Senado americano aprova a lei Ingersoll, o qual determina oito horas de trabalho para todos os empregados da União. Mas essa lei não terá aplicação, pois, a pretexto de exigências particulares que se transformaram em regra geral, as jornadas continuam as mesmas de sempre.

Uma agência para caçar operários rebeldes

Em 1877, os ferroviários paralisam o sistema de transportes exigindo as oito horas. A resposta é agressiva e os trabalhadores têm a lamentar 30 mortos entre seus colegas. Nessa época aparece o grupo autointitulado os “Defensores da Ordem”, criado por um senhor chamado Nat Pinkerton. Essa agência, antes especializada em caçar criminosos pelo Oeste, agora se torna tristemente famosa pela sanha que demonstra colaborando com os patrões e a polícia na repressão ao movimento operário.

Por outro lado, a principal organização dos trabalhadores são os Cavaleiros do Trabalho (Knights of Labor) que surgira como grupo secreto em 1869, chega a possuir mais de 700 mil aderentes. Em 1881, nasce a American Federation of Labor (AFL) – Federação Americana do Trabalho –, de caráter corporativo e reivindicatório. Em sua declaração programática, afirma: “Nós declaramos que a jornada de trabalho de oito horas permitirá dar mais trabalho por salários melhores e criará condições necessárias à educação e à melhoria intelectual das massas”.

Em novembro de 1884, a AFL promove um congresso em Chicago. Ali o secretário Frank K. Foster manifesta, em seu discurso, seu descrédito que o Parlamento chegue um dia a promulgar a lei de oito horas. Prossegue dizendo que, segundo sua opinião, não adianta continuar a pressionar o governo e que a coação deve ser exercida diretamente contra os patrões. Termina propondo a realização de uma greve geral nacional para atingir o objetivo das oito horas de trabalho diárias.

O líder marceneiro Gabriel Edmonston sugere que os trabalhadores considerem normal a jornada de trabalho de oito horas para todas as categorias, a partir de 1º de maio de 1886 e que sejam automaticamente paralisados os serviços nos locais em que essa determinação não for aceita.

Essa proposta é aprovada pela assembleia. Foi uma decisão dura, radical, difícil de ser posta em prática. Tanto a AFL como os Cavaleiros do Trabalho lançam-se à mobilização de todas as categorias de trabalhadores em todo o território nacional. Serão ajudados pelo longo tempo para a preparação de que dispõem: um ano e meio. À medida que se aproxima a data fatídica, o nervosismo aumenta. O próprio presidente da República, S. G. Cleveland (1837-1908), fica apreensivo. Em abril de 1886, explodem greves violentas em diversas localidades. Vários empresários cedem e aceitam assinar contratos de oito horas de trabalho.

1886 – Ano um do Dia Internacional do Trabalho, uma data histórica

Finalmente amanhece o dia 1º de maio de 1886. As organizações sindicais haviam lançado a palavra de ordem unitária:

“A partir de hoje nenhum operário deve trabalhar mais de oito horas por dia.

Oito horas de trabalho!

Oito horas de repouso!

Oito horas de educação!”

Centenas de milhares de pessoas abandonam as fábricas. Realizam-se manifestações nos principais centros, numa verdadeira babel de línguas que refletiam as origens dos imigrados. Foi somente uma minoria que paralisou o trabalho, mas o impacto foi tremendo. A história ainda não conhecera esse tipo de luta e as vitórias adquiridas foram consistentes. Muitos estados aprovaram a lei das oito horas, outros encurtaram a jornada para dez horas, mas com substancial aumento de salários.

Chicago não é apenas o centro da máfia e do crime organizado

Para obter esse triunfo, o preço pago é muito alto, havendo refregas em várias localidades. Em Milwaukee, tombam nove vítimas. Todavia, o campo principal da batalha é Chicago. Essa cidade – que se encontra ao sul do lago Michigan, constantemente coberta por neblina natural ou proveniente das chaminés das fábricas – está na vanguarda do capitalismo americano. Ali os operários são usados de 14 a 16 horas por dia, vivem jogados em sórdidos becos e são considerados como cães por uma burguesia opulenta, prepotente, racista e religiosamente fanática.

Um dos jornais que os representa, o Chicago Times, nas semanas que antecederam o 1º de Maio divulgara uma série de artigos de claro caráter terrorista, na qual havia “pérolas literárias” do tipo: “A prisão e o trabalho forçado são a única solução possível para a questão social. É necessário que esses meios sejam mais usados”. Vejamos uma outra: “O único jeito de curar os trabalhadores do orgulho é reduzi-los a máquinas humanas, e o melhor alimento que os grevistas podem ter é o chumbo”. Isso é que se chama falar claro!

Em contraposição, Chicago na época também é o centro do anarquismo na América do Norte. E há jornais operários importantes, como o Arbeiter Zeitung e o Verboten, ambos em língua alemã, dirigidos respectivamente por August Spies e Michel Schwab. Não deve causar espanto o fato de que sejam escritos em alemão, pois é muito grande o número de imigrantes advindos dos Estados germânicos. Em língua inglesa, o principal periódico é o Alarm, dirigido por Albert Parsons, um dos mais prestigiosos líderes sindicai e fundador da Central Union.

O sábado, 1º de maio de 1886, é um dia diferente dos outros para Chicago. Desde a manhã reina um grande silêncio. As fábricas, os transportes e o comércio estão paralisados. Mas se vendem os jornais. No editorial do Mail, outro pasquim dos patrões, se podia ler: “Circulam livremente nessa cidade dos perigosos cafajestes, dois canalhas que querem criar desordens. Um se chama Spies, o outro Parsons… Vigiai-os, segui-los; considerai-os responsáveis se acontecer alguma coisa. E, se algo suceder, eles que paguem por isso”.

Então o ambiente de tensão e silêncio é rompido quando pela Avenida Michigan surge uma esplêndida passeata – dezenas de milhares de trabalhadores com suas famílias caminham rumos à praça Haymarket. Abrem a marcha Parsons, sua mulher e sua filha de 7 anos, Lulu. Eles vêm cercados pelos dirigentes da AFL e dos Cavaleiros do Trabalho. Seguem-se as diversas colônias em seus trajes típicos: alemães, poloneses, russos, italianos, irlandeses, etc. no alto dos edifícios e nas esquinas, estão os homens da Guarda Nacional e da agência Pinkerton. A manifestação termina com um ardente comício em que discursam oradores das diversas nacionalidades. Depois, a multidão se dissolve pacificamente.

O estado-maior dos patrões sente-se ludibriado por essa conclusão serena e planeja provocações. Na segunda-feira, dia 3, a greve continua em muitos estabelecimentos. Diante da fábrica McCormick Harvester, a polícia dispara sem advertência prévia contra um grupo de operários. Seis deles tombam sem vida; 50 são feridos e centenas deles são presos. Spies, que estava perto do local do massacre, apela para a realização de uma concentração a realizar-se na tarde do dia seguinte. A raiva e a dor avolumam os corações. O Arbeiter Zeitung estampa: “A guerra de classes começou… Quem pode negar que os tigres que nos governam estão ávidos do sangue dos trabalhadores… Melhor a morte que a miséria”.

Apesar da revolta, os líderes conclamam à calma e pedem uma manifestação ordeira para reafirmar o caráter pacato das manifestações. Parsons apela aos operários para que também levem os filhos pequenos e, dando o exemplo, conduzirá os seus. Na mesma praça Haymarket, onde sábado pela manhã se encontraram felizes e festivos, agora, terça-feira, às sete e meia da noite, com as sombras noturnas que começam a chegar confundindo-se com o luto, os trabalhadores se reúnem para chorar seus mortos.

Um banho de sangue

Os oradores são Spies, Parsons e Sam Fielden. Eles pedem a calma e incitam todos a continuar a luta unidos e compactos. Quando a concentração começa a dispersar-se, um grupo de 180 policiais ataca com violência, espancando, pisoteando, ferindo a todos indistintamente. Nesse instante uma bomba, vindo não se sabe de onde, estoura no meio dos guardas. Uns 60 caem feridos, vários morrerão em seguida em consequência das lesões. É o sinal da carnificina. Reforços chegam e começam a atirar em todas as direções. Centenas de pessoas de todas as idades caem. O sangue ensopa as pedras das ruas. Os gritos dos feridos cobrem os suspiros dos moribundos. Em poucos minutos tudo termina.

Nunca se conseguiu apurar quantos foram os mortos daquele maldito dia, pois os corpos foram enterrados às escondidas. Seguramente foram dezenas. É decretado estado de sítio e a proibição de sair às ruas. Milhares de trabalhadores são presos, muitas sedes sindicais incendiadas. Grupos de facínoras, pagos pelos patrões, invadem as pobres casas espancando e destruindo as poucas coisas e as pessoas que encontram.

Toda a imprensa “importante” concentra seus ataques contra os “terroristas vermelhos”. A máquina da “justiça” foi rápida. Levou a juízo um grupo de líderes sindicais: August Spies, Sam Fielden, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Schwab, Louis Lingg e Georg Engel.

O julgamento começa no dia 21 de junho de 1886. Logo na abertura, Albert Parsons, que havia conseguido escapar da prisão, apresenta-se. Entra no tribunal e declara: “Vim para ser processado, excelência”, voltando-se para o juiz Joseph Gary, “junto com os meus companheiros inocentes”. A farsa desenrola-se rapidamente. Provas e testemunhas são inventadas. O verdadeiro sentido desse tribunal é revelado nas palavras de um dos jurados: “Que sejam enforcados. São homens demais desenvolvidos, demais inteligentes. Demais perigosos para os nossos privilégios”.

A sentença é lida a 9 de outubro. Parsons, Engel, Fischer, Ling, Spies são condenados à morte; Fielden e Schwab, à prisão perpétua e Neeb a 15 anos de cárcere. Mas as declarações dos condenados são uma pura reprovação ao sistema. Em primeiro lugar fala Neeb: “Cometi um grande crime, excelência. Eu vi os balconistas dessa cidade trabalhar até 9 ou 10 horas da noite. Lancei um apelo para a organização da categoria e agora eles trabalham até às 7 horas da noite; aos domingos estão livres. E isso é um grande crime”. A seguir, pede para ser enforcado junto com os companheiros, pois ele não pode ser mais inocente que os outros, já que todos são completamente inocentes.

Só os covardes não denunciam a miséria social

Numa sala abafada, lotada, silenciosa, Spies faz a última defesa: “Se com o nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário – este movimento do qual milhões de seres humilhados, que sofrem na pobreza e na miséria´, esperam a redenção –, se esta é sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não podem apagá-lo”. Com a mesma dignidade dos outros, expressa-se Lingg: “Permiti que voz assegure que morro feliz porque estou certo de que centenas, milhares de pessoas a quem falei recordarão minhas palavras”.

Parsons discursará por horas, começando assim: “Arrebenta a tua necessidade e o teu medo de ser escravo, o pão é a liberdade, a liberdade é o pão”. Depois faz um longo relato da ação dos trabalhadores, desmascara com minúcias a conspiração dos patrões e fala do seu ideal: “A propriedade das máquinas como privilégio de uns poucos é o que combatemos, o monopólio das mesmas, eis aquilo contra o que lutamos. Nós desejamos que todas as forças da natureza, que todas as forças sociais que, essa força gigantesca, produto do trabalho e da inteligência das gerações passadas, sejam postas à disposição do homem, submetidas ao homem para sempre. Este e não outro é o objetivo do socialismo”.

Um mês depois, a 11 de novembro, na metade de um dia de sol pálido soprado por um vento gélido do lago, Spies, Engel, Fischer e Parsons são levados para o pátio da prisão para ser executados. Lingg não está entre eles, pois havia conseguido suicidar-se. Amarram-lhes os pés e as mãos. O carrasco passa a corda por seus pescoços e dá continuidade ao horrível ritual com a abertura dos alçapões um a um. As últimas palavras de Spies são: “Adeus, o nosso silêncio será muito mais potente do que as vozes que vocês estrangulam”. Engel diz apenas: “Viva a anarquia! ” Fischer, com os olhos perdidos, como se tivesse o dom de ver o futuro, murmura: “Eis o dia mais feliz da minha vida”. Quanto a Parsons, o carrasco é rápido demais. Não se entende bem o que quer dizer. Começa algo assim: “Deixem-me falar com o meu povo…” – e a corda o estrangula.

Enquanto isso, nos locais de trabalho correm lágrimas silenciosa pelos irmãos que morriam. A Chicago burguesa suspira aliviada. Apesar de um impressionante aparato intimidativo, seis mil trabalhadores carregam com carinho os restos mortais dos mártires.

Seis anos depois do assassinato de Estado, o governador de Illinois, Atgeld, pressionado pela persistente onda de protestos contra a iniquidade do processo, anula a sentença, liberta os três sobreviventes e acusa de infâmia o juiz, os jurados e as falsas testemunhas.

A semente lançada já brota, cresce e logo dará seus frutos. Estavam para se transformar no símbolo da luta de todos os trabalhadores do mundo. Quando a AFL realiza seu congresso em dezembro de 1888, para fazer um balanço dos acontecimentos dos últimos anos, surge a proposta para se realizar nova greve geral em 1º de maio de 1890, a fim de se estender a jornada de oito horas às zonas que ainda não a haviam conquistado. Tal fato, embora não estivesse nos planos dos organizadores, terá repercussão mundial.

Cabe satisfazer a uma curiosidade. Por que, no congresso da AFL de novembro de 1884, foi proposto o 1º de maio de 1886 como início da luta pela jornada de oito horas? A rigor não sabemos, pois nas atas de reunião não consta nada a respeito. É muito improvável que fosse para comemorar alguns dos acontecimentos aos quais já nos referimos. O mais provável é que essa data estivesse ligada ao fato de que nos estados de Nova York e Pensilvânia esse dia era chamado de moving day – isto é, a data em que se celebravam os contratos de trabalho. Isto explica também o porquê do longo tempo que se passou entre a decisão de realizar a greve e a sua execução: para dar não só tempo aos sindicatos de se organizarem, mas também aos patrões para reestruturarem suas empresas com um horário de funcionamento diferente de modo a chegar ao dia do contrato coletivo em condições de aceitar as oito horas.

Publicado originalmente na Rádio Peão Brasil, baseado em trecho do livro Primeiro de Maio – Cem Anos de Luta, de José Luiz Del Roio (Centro de Memória Sindical, 2016)