As petroleiras estrangeiras são menos corruptas do que a Petrobras?

Este autor não possui descrição

As últimas rodadas de leilões do pré-sal consolidaram a tendência de ampliação da entrada das petrolíferas estrangeiras no País. Os consórcios liderados pela Petrobras, com participação de associadas internacionais, foram vitoriosos em três dos oito campos vendidos. As cinco ofertas restantes foram arrematadas por consórcios de fora do Brasil. A segunda maior vencedora do certame foi a anglo-holandesa Shell. A novidade foi a entrada da norte-americana ExxonMobil e o que chama a atenção é a intensificação da atuação das empresas chinesas.
 
Para a opinião pública, o discurso empreendido pelo governo toma como ponto de partida duas ideias: a de que a Petrobras foi completamente contaminada pela corrupção e por isso precisa ceder seu lugar no mercado para outras empresas com melhor governança. Mais ainda: tal contaminação foi potencializada pelo fato de ela ser uma estatal, portanto mais suscetível aos mal feitos e à má alocação de recursos.
 
A pergunta que daqui emerge é: petroleiras estrangeiras são menos corruptas e mais eficientes do que a Petrobras? Para ensaiarmos um início de resposta para essa pergunta, tomemos os três casos acima destacados nos últimos leilões do pré-sal: Shell, ExxonMobil e as chinesas.
 
A Shell era uma operadora do pré-sal brasileiro em sociedade com a Petrobras. No último leilão ela arrematou importantes campos nas bacias de Santos e Campos. No último período, a anglo-holandesa se envolveu, entretanto, em um escândalo de corrupção na Nigéria com dimensões financeiras e políticas maiores do que aquelas investigadas pela Operação Lava Jato no Brasil. A fim de melhorar sua posição no mercado nigeriano, a alta direção da companhia se envolveu em pagamentos de propina, suborno e lavagem de dinheiro. Chegou a ser investigada por ações ilícitas envolvendo altos ministros de Estado e o próprio presidente da Nigéria, resultando em processos e condenações criminais.         
 
A ExxonMobil, por seu turno, adentrou nas áreas de exploração do pré-sal a partir do último leilão com a compra de um campo na Bacia de Santos, em associação com a Statoil e a Petrogal. Assim como a Shell na Nigéria, a ExxonMobil na Guiné Equatorial também tem passado por problemas relacionados à corrupção. Rex Tillerson, secretário de Estado do governo de Donald Trump, foi presidente da ExxonMobil e é acusado de financiar a ditadura do presidente guiné-equatoriano Teodoro Obiang Nguema, além de a petrolífera ter firmado contratos escusos com uma empresa da família do presidente africano. Uma teia de nepotismos, subornos e propinas também tem sido objeto de investigação do próprio Senado norte-americano.
 
Para a tristeza daqueles que acreditam num tipo ideal de capitalismo concorrencial e meritocrático anglo-americano, em contraposição a um capitalismo patrimonialista e clientelista ibero-brasileiro, há que se admitir: tanto lá quanto cá os problemas são análogos, o “petro-clepto-capitalismo” não faz distinção geográfica e cultural.
 
Para se ter uma ideia, um estudo do cientista político da Universidade da Califórnia, Paasha Mahdavi, detalha: dos 141 processos movidos entre 1977 e 2013 pela Securit and Exchange Comission (SEC) e pelo Departamento de Justiça norte-americano, 41, praticamente um terço, são ações anticorrupção relacionadas ao setor de óleo e gás e julgadas no âmbito do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), lei criada justamente para mitigar desvios neste setor.
 
Daí a questão: qual o sentido de usar o argumento de combate à corrupção para justificar o desmonte da Petrobras se seus ativos serão vendidos para empresas igualmente envolvidas em atos ilícitos em outros países?
 
No que se refere às empresa chinesas, chama a atenção a entrada de três delas em campos distintos do pré-sal, Repso-Sinopec, CNODC e CNOOC também arremataram fatias em Campos e Santos. Nesse caso, o que chama a atenção é o fato de parte dessas empresas serem subsidiárias de estatais chinesas, donde emerge uma nova questão: qual o sentido de usar o argumento de que as empresas estatais são mais ineficientes do que as empresas privadas se parte dos nossos recursos naturais são vendidos justamente para estatais de outros países?
 
Nesse caso específico, aqueles que bradaram nas manifestações de rua “minha bandeira nunca será vermelha” deveriam ficar com as bochechas tão coradas quanto o vermelho da bandeira chinesa.
 
Ainda segundo o estudo de Mahdavi, o petróleo não conduz necessariamente à corrupção, mas os casos de corrupção no setor petrolífero mapeados pelo autor se distribuem em 39 países e envolve tanto grandes quanto pequenas petroleiras, privadas ou estatais (as chamadas National Oil Companies – NOCs). A causa apontada é o grande número de contratos e o expressivo volume de recursos envolvidos em diversos processos de licitação, com alta complexidade de rede de fornecedores e distribuidores.
 
Desta forma, os argumentos muitas vezes apresentados pelo governo à opinião pública para justificar o desmonte da Petrobras, assentados na ideia de corrupção intensa nas estatais e de ineficiência aguda do Estado, não coadunam com parte dos resultados das desestatizações promovidas pelo próprio governo, que tem repassado ativos nacionais para empresas também envolvidas em escândalos de corrupção e/ou empresas estatais do setor petrolífero.
 
Desfeito esse véu que encobre a realidade, há que se observar quais interesses das empresas estrangeiras estão efetivamente escondidos por trás dessas justificativas contraditórias do atual governo brasileiro.
 
A agenda das empresas petrolíferas estrangeiras para o setor no Brasil tem sido marcada por ações que vão da espionagem industrial à luta por renúncia fiscal, passando pelo desmonte da Petrobras, por mudanças nos marcos regulatórios, pelo enfraquecimento da política industrial nacional e pela montagem de uma teia de relações contrárias ao fortalecimento do Estado no setor de petróleo, contando quase sempre com a anuência e a cumplicidade do Ministério de Minas e Energia, do Conselho Nacional de Política Energética, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e da própria Petrobras.  
 
Em suma, as petrolíferas estrangeiras não são mais nem menos corruptas do que a Petrobras, tampouco as petrolíferas privadas são mais ou menos eficientes do que a petrolífera estatal brasileira. Por trás das ideias genéricas do patrimonialismo corrupto e do clientelismo ineficiente escondem-se interesses estrangeiros bastante concretos nos recursos naturais e minerais brasileiros e que, infelizmente, tem sido atendidos integralmente pelo atual governo.
 
 
William Nozaki é professor de ciência política e economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP)