Reforma trabalhista: a mentira que está criando pernas
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Por Eduardo Navarro*
Falar da reforma trabalhista em curso no congresso – orientada pela agenda neoliberal através do golpista Temer – é tarefa difícil diante da falsa narrativa construída pela grande mídia (esta venal e interesseira) que a apresenta como modernização trabalhista (sic). Mas, a tarefa de esclarecer os trabalhadores e trabalhadoras se faz necessária, já que o que resultará destas reformas, caso sejam aprovadas, liquidará com o mercado de trabalho brasileiro.
Esta é a questão central a ser debatida: o que restará de ordenamento das relações trabalhistas, da estruturação de carreiras e de salários após o vendaval neoliberal. As principais proposições que se encontram no Congresso Nacional atentam contra a jornada de trabalho e a organização dos trabalhadores, os sindicatos – responsáveis pela defesa e valorização do trabalho. Estão elencadas mais de 60 medidas que liquidam com o modelo de trabalho que temos hoje.
Tal modelo não é resquício getulista, como alguns tentam afirmar. Ele foi sendo esculpido ao longo de décadas, sob a pressão e luta dos trabalhadores e trabalhadoras que, ao longo das campanhas salariais ou mesmo outras ações, tem regulado um padrão para as jornadas de trabalho diário, e consequentemente mensal, para as condições de trabalho no que tange à saúde e segurança, bem como da normatização do que fazer e de quem faz determinadas atividades laborais relativas às categorias.
É este ordenamento que estabelece o quê, o como e o quanto cada contrato de trabalho deverá expressar em relação ao trabalhador ou trabalhadora a ser contratado por determinada empresa. Se não existem mais regras a serem aplicadas, nós retomaremos para o início do capitalismo, lá pelos anos de 1780, quando o capataz da fábrica passava pela praça da cidade recolhendo trabalhadores diaristas para as atividades fabris para aquele dia especifico. No dia seguinte se dava novo leilão para o trabalho fabril.
Hoje, no Brasil, vigora o contrato de trabalho por tempo indeterminado, o trabalho integral. Tal contrato deve respeitar as condições estabelecidas pelos acordos ou convenções coletivas referentes ao piso salarial, dentre outras clausulas. Este trabalhador ou trabalhadora recebe treinamento para qualificá-lo de acordo com o perfil da empresa e isto representa um investimento, pois visa retê-lo por um longo período. É neste sentido, de expectativa de longo prazo, que um bancário, um metalúrgico ou um petroleiro, ou de outra categoria profissional, ao iniciar sua vida laboral na empresa contratante tem a consciência do tipo de atividade que irá desenvolver e de qual tratamento receberá dela.
Lógico, alguém dirá que já existem os terceirizados ou trabalhadores parciais, mas estas são exceções que validam a regra. Tais contratos foram criados justamente com a intenção de fragilizar as relações de trabalho e ano a ano avançam no sentido da precarização das relações de trabalho, atendendo aos interesses exclusivos do empresariado.
Vejamos mais de perto uma parte do tsunami que vem por aí. A PLS 218/2016, que institui o contrato de trabalho intermitente, no qual “o trabalhador é remunerado pelas horas efetivamente trabalhadas, não havendo ajuste prévio da quantidade mínima de horas a serem cumpridas em cada mês e do valor remuneratório mensal mínimo a ser percebido” (Procuradoria-Geral do Trabalho, nota técnica 01). Além de extrapolar a jornada diária recomendada o trabalhador ou trabalhadora não farão jus ao DSR, descaso semanal remunerado, à férias, ao 13º salarial e outros direitos.
O próprio trabalho parcial deverá sofrer alterações segundo o PLS 6.787/2016. Hoje, o trabalho parcial é permitido para uma duração de até 25 horas semanais, sem direito a realizar horas extras. Com o projeto do Senado a duração do trabalho parcial pode chegar a 30 horas semanais, estando liberado a realização de horas extras. Na prática, o contrato pode chegar a 40 ou 44 horas semanais o que representa, em suma, a jornada para o trabalho integral. Outras medidas também deverão alterar a relação de trabalho, como a permissão para terceirizar a atividade-fim (PLC 30/2015), generalizando a terceirização para toda a empresa.
E ai que está o x da questão: a linha tênue entre o contrato integral e o contrato parcial/intermitente. Se a precarização permitir a contratação de trabalhadores intermitentes adequando-os à escala de produção da empresa (por ex.: somente na terça e na quarta ou somente na primeira quinzena do mês) por que o empresário iria contratar estes mesmos trabalhadores pelo regime integral? A nota técnica nº 02 da PGT apresenta o seguinte dado que explicita esta linha tênue: “esta mudança foi efetivada nos países da União Europeia, entre 2009 e 2013, tendo obtido como resultado o fechamento de 3,3 milhões de postos de trabalho a tempo integral e a abertura de 2,1 milhões de postos de trabalho a tempo parcial”. Outro dado exposto na mesma nota dá conta de intervenção idêntica nos Estados Unidos, que desde 2008 alterou seu mercado interno, estando hoje com 40% de todos seus empregos em regime parcial.
Se passar a “modernização trabalhista”, apregoado pela campanha midiática, as relação trabalhistas no futuro não serão entre aqueles que tem carteira assinada versus aqueles que estão precarizados, como, infelizmente, já é hoje. A relação será mais selvagem: não haverá um contrato de trabalho paradigmático que estabeleça as condições mínimas para um trabalhador exercer suas funções com condições de salubridade, alimentação e proteção para si e para sua família. Não haverá mercado de trabalho, onde haja balizamento de salários, carreira, ascensão profissional.
Portanto, está na hora dos trabalhadores e trabalhadoras, juntamente com o movimento sindical, reagirem para evitar o pior. A hora é agora.
Notas:
PGT – Nota técnica nº 01, de 23 de janeiro de 2017 (PLS nº 218/2016)
_____ Nota técnica nº 02, de 23 de janeiro de 2017 (PLS nº 6.787/2016)
* Eduardo Navarro é vice-presidente da Federação dos Bancários da Bahia e Sergipe, diretor executivo da CTB e coordenador da CTB Bancários.