Os 12 milhões de desocupados e a política econômica da insensatez

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Por Tiago Oliveira*

No último dia 29 de dezembro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados referentes ao trimestre encerrado em novembro da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). De ampla repercussão na opinião pública, o maior destaque foi dado ao contingente de desocupados, estimado em doze milhões de pessoas.

Desde o início de 2015, vale frisar, foram acrescidos a este contingente cerca de 5,6 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, 2,9 milhões somente no ano passado, sem considerar os dados de dezembro, ainda não divulgados.

A taxa de desocupação, por sua vez, foi estimada em 11,8%, meio ponto percentual superior à registrada no trimestre anterior e bastante acima da verificada no mesmo trimestre de 2015 (8,9%). Nesse sentido, cumpre chamar a atenção para o fato de haver uma tendência de alta praticamente ininterrupta desta taxa nos anos de 2015 e de 2016, quebrando com um padrão “normal” de comportamento da taxa no segundo semestre, usualmente descendente. Nesse lapso de tempo, o aumento foi de aproximadamente 5,3 pontos percentuais, tendo como referência a taxa de desocupação de 6,5% registrada no último trimestre de 2014.

A gravidade da situação do mercado de trabalho evidencia-se ainda pela diminuição, nesse mesmo intervalo de tempo, do contingente de trabalhadores do setor privado com carteira de trabalho assinada (-2,4 milhões) e do emprego público (-278 mil), em paralelo ao incremento dos trabalhadores domésticos (142 mil) e conta-próprias (89 mil), um claro sinal de deterioração da estrutura ocupacional.

O que provocou a guinada observada no mercado de trabalho brasileiro a partir de 2015, já que, até 2014, o comportamento dos principais indicadores de mercado de trabalho ainda era bastante positivo?

A resposta a esta questão requer um retorno ao final de 2014 e à discussão econômica que se travava naquele momento. Resumidamente, tornou-se hegemônica a avaliação de que uma inflação renitentemente próxima do teto do regime de metas estava associada ao fato de a economia brasileira estar operando próxima do pleno emprego. Dado o diagnóstico, qual a solução proposta? Reduzir o consumo e aumentar o desemprego no país, favorecendo a abertura do hiato do produto, e, portanto, a queda da inflação.

Estes pontos foram explicitamente apresentados ao debate público pelo atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, então economista-chefe e sócio do Itaú-Unibanco, em artigo na imprensa, ainda em 2013: “(…) o combate à inflação requer estar disposto a abrir mão de coisas valiosas. A sociedade está preparada para (temporariamente) reduzir o consumo e desaquecer o mercado de trabalho para reduzir a inflação?”. Nesse mesmo sentido, o Banco Central, em atas de reuniões do Comitê de Política Monetária (COPOM), vinha alertando, há um bom tempo, mas de maneira mais incisiva a partir de 2014, para os riscos inflacionários de uma economia que opera com uma “estreita margem de ociosidade no mercado de trabalho”, ou seja, com taxas de desemprego muito baixas.

Além de uma inflação oscilando próxima ao teto do regime de metas, a estagnação da economia brasileira e o crescimento da dívida pública compunham o cenário econômico de 2014, em um contexto internacional crescentemente adverso, vale dizer, dadas a desaceleração da economia mundial pós-crise de 2008 e a deterioração dos termos de troca.

O ajuste Dilma-Levy, implementado a partir do final de 2014, procurava lidar com os problemas acima apontados. O objetivo era promover um ajuste fiscal capaz de conter o crescimento da dívida pública, trazer a inflação para o centro do regime de metas e, dessa forma, criar as bases para a retomada do crescimento econômico, através da recuperação da confiança do setor privado. Para tanto, lançou-se mão do aumento de impostos e de tarifas públicas, da redução de subsídios e de desonerações tributárias, e do corte dos gastos públicos.

Entretanto, ao contrário do esperado, as aludidas medidas (i) alimentaram uma impressionante escalada da taxa de inflação, impulsionada pelo aumento dos preços administrados, em especial energia e derivados de petróleo, e ainda pela expressiva desvalorização cambial; (ii) auxiliaram na derrubada do crescimento econômico, já combalido por problemas hídricos e energéticos, pela paralisação das cadeias do petróleo e do gás e da construção, e pelo conturbado cenário político; e, como decorrência deste último ponto, (iii) promoveram um expressivo aumento da dívida pública, ao contrário do objetivo alardeado inicialmente.

É pouco discutível, dado o cenário econômico internacional adverso, que havia a necessidade de mudança na política econômica brasileira. Porém, optou-se por um caminho equivocado, com pouca ou nenhuma preocupação em retirar o país da recessão, que, àquela altura, já era visível. Do ponto de vista do mercado de trabalho, a sinalização dada foi de que todos os sacrifícios necessários seriam empreendidos para combater a inflação e o crescimento da dívida pública, ainda que no curto prazo isto significasse uma desaceleração ainda maior do crescimento econômico.

Diante desse cenário, os agentes privados não enxergaram alternativa a não ser promover um forte ajuste na força de trabalho, o que implicou, em termos macroeconômicos, a redução do contingente de trabalhadores ocupados.

A conturbada deposição da presidenta Dilma Rousseff e a ascensão do seu vice-presidente, Michel Temer, significaram, do ponto de vista da política econômica, o completo abandono da possibilidade de que medidas estruturantes de combate à recessão pudessem ser formuladas e implementadas. Um padrão de convenção pró-crescimento foi definitivamente rompido.

Até o presente momento, as iniciativas do atual governo apontam para uma reforma estrutural do sentido e do alcance da intervenção do Estado brasileiro. A PEC 55 é o exemplo mais ilustrativo do que aqui se quer chamar a atenção. O seu real propósito é a diminuição brutal do gasto público, restringindo, para isso, o crescimento das despesas primárias e enrijecendo a política fiscal por longos vinte anos.

De modo complementar, a reforma da Previdência Social proposta visa, justamente, a tornar possível que o teto de gastos decrescente estabelecido pela PEC possa ser viável no futuro. Amarra-se, dessa forma, não só o curto-prazo, mas a possibilidade de utilização de uma política fiscal expansiva, pelo prazo de vários mandatos presidenciais. Uma insensatez, sem dúvida.

Nesse cenário, as perspectivas para o mercado de trabalho brasileiro para este ano não são nada alvissareiras. O anêmico crescimento da economia mundial, o combalido mercado interno de consumo, o setor privado altamente endividado, sem acesso a crédito abundante e barato e sem perspectivas positivas de demanda efetiva futura, e o gasto público excessivamente contido não deixam alternativas de escape para a retomada do crescimento econômico, o que impossibilita, portanto, qualquer perspectiva positiva para o mercado de trabalho brasileiro em 2017.

 

*Tiago Oliveira é doutor em Desenvolvimento Econômico pelo IE-UNICAMP e técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE.