Em defesa da Democracia e da Saúde do Trabalhador

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Por Fernando Dantas*

O Anuário Estatístico da Previdência Social de 2014 evidenciou, mais uma vez, números preocupantes de Acidentes de Trabalho. Foram registrados no INSS cerca de 704,1 mil acidentes do trabalho. Do total de acidentes registrados no CAT (Comunicado de Acidente de Trabalho), os acidentes típicos representaram 76,55%; os de trajeto 20,67% e as doenças do trabalho 2,79%. Por gênero, os homens participaram com 71,85%, e as mulheres, com 28,14% nos acidentes típicos; e 57,01% e 42,99% nas doenças do trabalho, respectivamente.

Nos acidentes típicos, a faixa etária com maior incidência é de 20 a 29 anos. Nas doenças de trabalho, a faixa de maior acometimento foi a de 30 a 39 anos, com 34,18% do total de acidentes registrados. Essa realidade se repete a cada ano, com pouca variação, e nos leva a reflexão de como estamos distantes de um ambiente de trabalho seguro, livre de acidentes.

Apesar de considerar graves os números contidos no anuário, podemos afirmar que eles ainda não representam a realidade. São apenas a ponta do iceberg. Neles, estão inseridos apenas os registros dos acidentes de trabalhadores e trabalhadoras formais, notificados através de CAT, ficando de fora os informais. Mesmo entre os formais, há muitos acidentes subnotificados, que, em muitos casos, são acidentes ocorridos no local do trabalho ou no trajeto e que são registrados como acidentes comuns, isentando os patrões da responsabilidade.

Com a Globalização e o modelo neoliberal da economia, a exploração dos trabalhadores tem levado ao grande número de acidentes típicos e doenças ocupacionais nos diversos segmentos da economia. Mesmo com a legislação (Lei 8.213 de 1991, Código Civil no art. 19) que conceitua o acidente de trabalho e determina que haja obrigação de reparo ao dano, independentemente de culpa por parte do empregador, o que presenciamos cotidianamente são os episódios de acidentes do trabalho e agravos em grande número, sem que as empresas sejam devidamente responsabilizadas e punidas.

A concorrência entre as empresas, imposta pela economia capitalista, tem obrigado os empregados a trabalhar cada vez mais sob pressão, em busca de metas muitas vezes inatingíveis. As consequências dessa política organizacional têm contribuído para os agravos e os casos de Assédio Moral, que, normalmente, levam o trabalhador a desenvolver problemas psíquicos, a exemplo da depressão, da síndrome de pânico, entre outras. Como consequência, hoje, muitos trabalhadores fazem uso de antidepressivos (medicamentos de tarja preta) para aliviar o sofrimento, quando não se tornam usuários de drogas (álcool e entorpecentes).

Além dos efeitos nocivos à saúde dos trabalhadores, a política de metas praticada pelas empresas reproduz no ambiente trabalho a mesma lógica de mercado, estimulando a concorrência entre os trabalhadores, em busca da “ascensão profissional” e da “garantia” do emprego. Esse processo rompe com o sentimento de solidariedade entre eles e destrói o caráter classista, causando sérios danos no relacionamento social e afeta a subjetividade psicológica desses indivíduos.

Como se já não bastassem todos os malefícios ocasionados pela lógica capitalista neoliberal, os trabalhadores adoecidos, ao buscarem a concessão do beneficio junto ao INSS, se deparam com uma prática de dificultar seus direitos. Nas perícias médicas, normalmente, não é reconhecido o estado de adoecimento do segurado, penalizando-o duplamente. Muitos deles ficam sem o amparo da Previdência Social e, sem poder trabalhar – porque a empresa não aceita o trabalhador com as limitações -, ficam numa espécie de limbo. Não conseguem retornar ao trabalho e nem são assistidos pelo governo.

Os trabalhadores que conseguem o benefício e, após algum tempo de afastamento, são obrigados a retornar ao trabalho, mesmo sem condições e, na maioria das vezes, sem estarem reabilitados pelo INSS – até porque o serviço de reabilitação da instituição encontra-se desmontado -, voltam para aos seus postos de trabalho na mesma função que os adoeceu, agravando ainda mais sua patologia. Quando isso acontece, muitos desses trabalhadores são marginalizados pelas direções das empresas.

Apesar da legislação, nos deparamos com total descaso com a saúde do trabalhador e com o ambiente do trabalho, não só por parte das empresas, como também dos órgãos governamentais. Como sabemos, os Acidentes de Trabalho são previsíveis, portanto, podem ser evitados. Entretanto, não se aplica uma política de prevenção efetiva, tampouco se pune devidamente as empresas que mais adoecem seus trabalhadores.

Se hoje a realidade do mundo do trabalho é perversa, com golpe em curso no Brasil, tendo a frente o governo ilegítimo de Temer, toda essa situação deve se agravar, infelizmente. Segundo o plano socioeconômico proposto pelo governo golpista, batizado de “Uma Ponte para o Futuro”, está prevista a retirada de direitos dos trabalhadores, precarizando, ainda mais, o ambiente de trabalho. No Congresso Nacional, extremamente conservador, estão em pauta 55 projetos que almejam flexibilizar e destruir a CLT, colocando os trabalhadores ainda mais à mercê da exploração dos patrões.

No nefasto plano, entre outras coisas, estão contidos a implantação da terceirização para atividade fim; a prevalência do “acordado sobre o legislado”, que destrói a CLT; o ataque ao movimento sindical e o desmonte da Previdência Social. Na reforma da Previdência Social, anunciada pelo governo golpista, pretende-se aumentar a idade mínima para os 65 anos de idade para ambos os sexos e isso penalizará, principalmente, os trabalhadores que começam a trabalhar mais cedo e as mulheres. Além disso, com as mudanças propostas, possivelmente, os trabalhadores adoecidos que buscarem seus benefícios junto à Previdência enfrentarão maiores dificuldades para consegui-las.

Tal cenário aponta para uma maior precarização no mundo do trabalhador, que deve aumentar significativamente o número de trabalhadores adoecidos para favorecer a ganância capitalista. Portanto, o momento é de mobilização e resistência. Primeiro, em defesa do Estado Democrático de Direito e, depois, pela ampliação dos direitos dos trabalhadores conquistados ao longo do tempo, através de muita luta. Os trabalhadores e o povo não reconhecem o governo golpista de Temer, exigem sua saída imediata e não aceitarão os retrocessos nas leis trabalhistas que tramitam no Congresso Nacional. Um congresso de perfil de maioria fisiológica e corrupta, que visa colocar os trabalhadores ainda mais à mercê da exploração dos patrões.

*Fernando Dantas é historiador e diretor da Federação dos Bancários da Bahia e Sergipe.