A quem interessa atacar a frente ampla?

A quem interessa atacar a frente ampla?

Geral 17/06/2020 Escrito por: Romice Mota

Diante dos ataques contínuos de Jair Bolsonaro ao Estado Democrático de Direito, os ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff manifestaram, em separado, nas redes sociais, solidariedade ao Supremo Tribunal Federal (STF) e condenaram a escalada autoritária do presidente da República.

Todavia, a amplitude dessa convergência factual ainda está distante do que sugere a aparência. No universo da oposição, especialmente no campo da esquerda, persistem concepções e condutas políticas que subestimam a frente ampla. Ou, o que é pior, emergem condutas políticas que hostilizam e atacam o diálogo nacional entre os diferentes, tendo em vista formar um movimento de frente ampla tendo como programa básico a defesa da vida, da democracia e a oposição ao governo Bolsonaro.

Na história da República, confrontos de envergadura ilustram o quanto a ideia de frente ampla é indispensável ao Brasil, à democracia e ao povo. São exemplos disso a ampla aliança contra o nazifascismo que irrompeu no fim do Estado Novo, a frente ampla esculpida ao longo do enfretamento com a ditadura militar, a unidade em torno das “Diretas já!” e da candidatura de Tancredo Neves para derrotar a ditadura militar, as convergências na Assembleia Nacional Constituinte que elaborou e promulgou a Constituição Cidadã de 1988, as articulações que abarcaram a esquerda e a centro-direita em 2002 para a primeira vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, bem como para formar a maioria que permitiu que ele governasse.

Qual é o desafio do presente?

Construir uma convergência de amplas forças políticas, sociais, econômicas e culturais heterogêneas, abarcando um amplo leque ideológico de expoentes das classes dominantes, da classe trabalhadora e das camadas médias da sociedade, todas e todos, independentemente de terem sido adversários ou não no passado, contra o desastre que representa o governo Bolsonaro e em defesa da vida, da democracia, do emprego/renda e das empresas, em especial as micro e pequenas.

No âmbito da esquerda, todavia, surgem condutas errôneas que hostilizam partidos e personalidades de outros campos políticos — centro e direita —, que, ao seu modo, passaram a se opor ao governo Bolsonaro.

Tais concepções sectárias que teimam em ignorar a correlação de forças, uma vez hegemônicas, empurrariam as forças avançadas, os movimentos do povo, para o isolamento, circunscritas a um gueto.

Essas condutas equivocadas parecem derivar de dois motivos básicos. Primeiro, a subestimação da escalada autoritária de Bolsonaro. Consideram, ao que parece, que as ameaças bolsonaristas são meras bravatas, não investidas para romper com o regime democrático e instaurar um Estado autoritário, policial. Segundo, em vez de hierarquicamente pôr em primeiro lugar a tarefa de salvar o Brasil e a democracia, subordinam essa missão magna a objetivos menores, a interesses de grupos e de partidos.

Bolsonaro, por sua vez, percebe que vai se erguendo contra ele uma articulação ampla, que envolve personalidades dos Poderes da República, do campo democrático e popular, de entidades da sociedade civil. Ele sabe que vai se configurando essa frente ampla como barreira de contenção à sua escalada autoritária e tenta sair do restrito círculo bolsonarista.

Busca, para isso, criar uma base de apoio no Congresso Nacional, junto ao denominado “centrão” e até para além dele. Bolsonaro está obstinado em criar um grupo em torno de 200 deputados e deputadas que, eventualmente, possa impedir o seu impeachment. Mesmo com sua visão tacanha, ele faz movimento para sair do gueto e criar uma base de apoio para além de seu ninho.

As forças progressistas e de esquerda têm larga experiência em lidar com frente ampla. Um movimento assim, em torno de bandeiras bem definidas – no caso concreto, em torno da defesa da vida e democracia –, envolvendo forças políticas heterogêneas, não significa que elas irão se diluir. Permanece a unidade e a luta. Segue, por óbvio, um debate em que o campo democrático e popular realiza, defende suas ideias diante de outros setores, que tendem, por vezes, à vacilação.

A esquerda, sem arrogância, tem o papel de cimentar essa frente e de buscar dar a ela uma direção consequente. Seus setores que atacam a frente ampla prestam um desserviço ao Brasil e à classe trabalhadora. É um tipo de conduta política que cria dificuldades para a formação de uma maioria capaz de barrar a escalada autoritária de Bolsonaro e, pelos crimes que cometeu, afastá-lo da Presidência em um processo de impeachment. É, portanto, um falso radicalismo.

De qualquer sorte, a frente ampla vai ganhando concretude e adquirindo contornos no âmbito do Congresso Nacional, das entidades da sociedade civil, dos movimentos sociais e populares. Progressivamente, setores econômicos também percebem que Bolsonaro está levando país para um desastre econômico e a uma recessão profunda.

Combater a frente ampla nesse momento, portanto, é um desserviço à defesa da democracia, uma atitude política errada que, em última instância, debilita a oposição e dá folego a Bolsonaro.

Via: Portal Vermelho