Agricultura familiar a caminho do fim?

Agricultura  familiar a caminho do fim?

Secretário de Formação e Organização Sindical da FETAG-BA.

A pandemia mundial por conta do novo coronavírus (COVID-19) que assola o Brasil atualmente e, que poderá se prolongar por mais tempo, tem levado os governos a adotarem medidas considerando duas dimensões: a econômica e a política. Ou seja, no sentido de estimular à economia e ações de combate ao Novo Coronavírus, partindo dos erros cometidos pelo próprio governo federal, que está em descompasso com os governos estaduais e com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Meio a isso, na dimensão econômica observa-se uma redução considerável dos juros e uma enorme retração da atividade econômica, que elevou o número de desempregados e a perda da renda, além do fechamento de empresas. E, na política, o desgaste do Presidente em função da participação em atos contra a democracia, entre outros acontecimentos, o que levou o governo a buscar a ampliação da sua base de apoio no Congresso Nacional rumo ao Centrão, onde está a bancada ruralista.

É a partir dessa radiografia que a atividade desenvolvi há cerca de 12 mil anos tem a diferença evidenciada. De um lado, os interesses do agronegócio e do outro, (subestimado) o compromisso da agricultura familiar. Assim foi o Plano Safra 2020/2021 gestado pelo governo federal nesse contexto: de um lado a necessidade de estimular a economia e de outro de manter e ampliar a base de apoio parlamentar. A agricultura e a Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) contribuem com esses dois objetivos – retomada da economia e garantir sustentação política – atendendo os ruralistas.

As medidas anunciadas pelo governo federal, nos dias 17 e 18 de junho são alvo de críticas por setores do campo, por não agradar os agricultores e agricultoras familiares. O anúncio citado foi o lançamento do Plano Safra 2020-2021, quando no segundo dia o anúncio é voltado especificamente para a agricultura familiar, por apresentação via internet.

Primeiramente, ressaltamos que a apresentação não contou com a representação das principais representações da agricultura familiar, como era costumeiro em governos anteriores.

Mesmo confirmando a realidade do campo, onde 84% dos imóveis rurais da agricultura familiar são responsáveis por 70% dos alimentos consumidos no país, ocupando apenas 20% do território nacional, evidenciando que muita gente tem pouca terra, o Plano Safra anunciado é um Plano Safra Big: prioriza o agronegócio, a produção de comódites, de PIB, de renda. Pouco importa a produção de alimentos.

As taxas de juros do Pronaf ficarão entre 2,75% para o Mais Alimento e 4% ao ano para as demais linhas de crédito, enquanto a taxa Selic está em 2,25%. Enquanto isso, os juros para os grandes produtores diminuíram de 8% para 6% ao ano. Isso significa que os agricultores familiares que produzem alimentos de consumo interno, que abastecem a mesa dos brasileiros com os alimentos básicos, entre eles o feijão, feijão caupi, mandioca, tomate, cebola, batata-doce, frutas, olerícolas e os produtos da exploração extrativista ecologicamente sustentável, terão que pagar, pela primeira vez na história do Pronaf, taxas de juros 22,2% maiores que a taxa Selic.

Por outro lado, o filho ou filha do(a) agricultor(a) familiar, que possua Declaração de Aptidão (DAP), poderá também solicitar financiamento para construção ou reforma de moradia na propriedade dos pais.

Mas, outras políticas e ações ficaram de fora, apesar de o crédito rural ser uma política pública que, para dar certo:

  1. exige uma Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), efetiva: não foram anunciados recursos para a ATER;
  2. programas governamentais foram descontinuados ou reduzidos: como é o caso do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) - extinta pelo governo Bolsonaro, deixou de existir nos planos safras e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que recebeu uma dotação muito limitada (R$ 220 milhões, enquanto há uma demanda R$ 1 bilhão)

Ainda sobre o Plano Safra, sabemos que foi anunciada a elevação de R$ 3,5 mil para R$ 5 mil nas operações de Custeio e de R$ 1,5 mil para R$ 2 mil no Investimento, enquanto haviam reivindicações de aumento no bônus de desconto de R$ 7 mil para custeio e R$ 5 mil para investimento, em relação ao Programa de Garantia de Preços para Agricultura Familiar (PGPAF).

Por conta as medidas de distanciamento e isolamento social, ocorreram suspensões de feiras-livre, perda de produção; reduziram as vendas do PAA e limitou-se as aquisições do PNAE, além de outros prejuízos. Com isso, houve perda de produção e renda para os agricultores e agricultoras familiares. É preciso reafirmar que é a agricultura familiar que garante a soberania e segurança alimentar do País.

Como paliativo, o Auxílio Emergencial poderia garantir alimento, condições de produção e permanência do homem e da mulher do campo na lavoura, com dignidade, mais tranquilidade. Porém, o Presidente da República vetou o direito a esta categoria de receber o auxílio: menospreza a agricultura familiar.

Outra questão, ainda, que deixa a agricultura familiar excluída, é a questão fundiária. A legislação e os novos procedimentos não garantem a efetiva posse da terra, a quem já está instalado e, muito menos ao postulante, posseiro a décadas ou até gerações. E o que dizer sobre os assentados da reforma agrária? Estes não têm a titularidade reconhecida. As empresas e os processos de titularização não condiz com as necessidades e foge da realidade.

Em situação semelhante, citamos a preservação ambiental: a legislação não estabelece limites para o desmatamento, preservação e nem condiciona à recuperação de áreas degradadas.

Essas questões – ambiental e fundiária – agrava a situação, em se tratando de comunidades tradicionais (indígenas e quilombolas, principalmente, além das famílias de fundo e feixo de pastos) que não tem documentação das posses e, dioturnamente, o negacionismo desse direito.

No aspecto previdenciário, os trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares são marginalizados, apesar de inclusão deste para o acesso ao benefício previdenciário. Este segmento precisa comprovar o exercício da sua atividade, mesmo que de forma remota, contemporânea. A exigência se agrava, ainda mais, quando constatamos que há famílias brasileiras que reside, ainda, sem energia elétrica: no meio rural, então!!?? Pois bem, se não tem energia, falta os dispositivos eletrônicos – smartphones, computador ou tablet. E quando os tem, falta acesso à internet.

Tudo isso implica na necessidade imposta pelo desmonte do Estado que está em curso. O que foi chamado de INSS Digital. Como qualquer outro segurado, o trabalhador rural pode fazer suas consultas e procedimentos sozinhos, vulneráveis às fraudes, que geralmente acontecem por falta de conhecimento.

Essa dificuldade poderia ser amenizada, caso as entidades sindicais dos trabalhadores rurais tivessem a liberdade para fazer esses serviços, como faziam, anteriormente. É no Sindicato que o trabalhador se identifica, sente acolhido, protegido.

Por conta da pandemia, vivemos com escolas fechadas, atividades escolares remotas, o que compromete o planejamento de vida e o ano letivo. Como garantir formação qualificada para essa categoria?

Nesta semana, o país vibrou com a votação dos parlamentares federais que torna permanente o Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e aumenta a participação da União no financiamento da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio, aumentando de 10% do PIB, como é atualmente para o percentual gradativo de 23% até 2026.

Não negamos o ganho dessa conquista, também, para as escolas rurais, para a escola do campo, mas, por si só não garante uma qualidade no ensino, no aumento dos índices de aprendizagem. Será se são gastos os 10% previstos? A precariedade das escolas do campo clama por melhores condições. Precisamos de um aprendizado de qualidade e uma escola pública e gratuita.

É essa política nefasta de perseguição às classes menos favorecidas que o sistema conservador, fascista está sendo implementado. Ignorando a história, as dificuldades; negando a solidariedade e as condições e necessidades sociais. Cada vez excludente e restrita a um feudo: “aos amigos do rei”.

Nesta data, que marca a história, o reconhecimento e valorização da agricultura familiar, deveria ser motivos para festejar, não só celebrar, clamando pelo fortalecimento deste segmento. Enfim, mesmo sem festa, comemora a data pela consciência da sua missão, da sua importância para a sociedade.

A agricultura familiar precisa de mais recursos para investimento e taxas de juros menores; precisa de seguridade, previdência, educação do campo, valorização e fortalecimento para que os agricultores e agricultoras familiares consigam se recuperar dos efeitos da pandemia. Queremos respeito. Exigimos nossos direitos.