Quatro anos de impunidade
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Por Geraldo Galindo*
No dia 29 de junho completou quatro anos da morte de Paulo Colombiano e Catarina Galindo. Eles foram assassinados quando voltavam do trabalho para o apartamento onde residiam em Brotas (Salvador), como faziam rotineiramente.
Naquela trágica noite fui dos primeiros a saber do fato e imediatamente me desloquei ao local do crime onde prestei meu primeiro depoimento. Depois de me encontrar com os abalados familiares e amigos me dirigi à Delegacia dos Barris onde faria o depoimento formal, o primeiro a ser feito. Lá passei as informações, que outros repassariam, relacionadas com as preocupações levantadas por Paulo Colombiano.
Ele e Kate iam quase todos os domingos ao café da manhã com minha mãe em Lauro de Freitas, onde costumo passar finais de semana. E foi num domingo desses, um pouco antes do crime, que ele me chamou numa conversa reservada para dizer que estava se sentindo ameaçado. Eu nunca me esquecerei do conselho que dei a ele de renunciar ao cargo que exercia. Argumentei que ele não poderia colocar em risco sua integridade física ao ter de contrariar interesses de gangsteres profissionais. Paulo Colombiano era o mais íntegro que um ser humano pode ser, assim como minha singela e caprichosa irmã. Ele era um militante comunista ortodoxo, firme, não tolerava o mínimo de desvios éticos ou morais de quem quer que fosse. E foi nessa condição que assumiu a tesouraria do Sindicato dos Rodoviários numa composição política. Rigoroso ao extremo com as finanças da entidade, como era com as do partido, onde era dirigente municipal quando eu era presidente, Paulo começou a rever os contratos existentes na entidade e considerou um deles – o do plano de saúde – bastante lesivo para a categoria. Sem levar em conta o conselho que lhe dei, Colombiano decidiu que em defesa do patrimônio dos rodoviários levaria às últimas consequências a revisão do tal plano de saúde, que estaria cobrando taxas de administração em valores exorbitantes, “uma extorsão”, como me confidenciou. E pagou com a vida por isso.
Nós, familiares e amigos, já no dia seguinte, iniciamos a luta pela punição dos responsáveis pelo crime brutal. No enterro, conversamos pessoalmente com o governador Jaques Wagner que lá esteve e assegurou à minha mãe que a Secretaria de Segurança Pública iria envidar todos os esforços para elucidar o crime. Desde então, contratamos escritório de advocacia para acompanhar o caso, fizemos reuniões frequentes com a Secretaria de Segurança Pública, realizamos manifestações públicas, voltamos a nos reunir com o governador etc. Não podíamos deixar o crime no esquecimento e os criminosos, impunes. NO dia 17 de Maio de 2012, quase dois anos depois, a polícia prendeu os empresários Claudiomiro César Ferreira Santana, dono da empresa de plano de saúde Mastermed, e seu irmão, Cássio Antônio Ferreira Santana, como mandantes do crime e mais Edilson Duarte de Araújo, Wagner Luís Lops de Souza e Adailton Araújo de Jesus, ex-seguranças do Atacadão Centro Sul. Edilson confessou ter acompanhado com os outros dois parceiros os passos de Paulo e Kate durante as últimas 48 horas antes do crime, segundo as investigações.
Para os familiares de Paulo e Kate foi um alívio ver os mandantes e prováveis executores atrás das grades - era uma vitória de toda a mobilização em torno do causa. O então secretário de Segurança Pública, Maurício Barbosa, anunciou publicamente não ter dúvidas da autoria dos crimes, o que confirmava nossas suspeitas iniciais. Aquele belo trabalho de investigação de nossa polícia é digno de parabéns - estão de parabéns todos os profissionais que durante dois anos levantaram as provas contra os assassinos. Porém, para nossa desagradável surpresa, menos de dois meses depois , os empresários que fizeram questão de anunciar terem contratado o mais caro advogado criminalista da Bahia, foram soltos pela justiça. Os outros três também seriam soltos posteriormente. A partir de então, passou a gerar entre nós, aquela desconfiança de que ricos e poderosos, mesmo assassinos comprovados, não ficam presos nesse país. Mas não recuamos. Passamos a realizar mais manifestações públicas, inclusive na porta do luxuoso Condomínio Victory Tower, na Vitória, local de residência de César Santana, homem comprovadamente ganancioso e cruel.
Tentamos por vias jurídicas trazer os criminosos de volta à cadeia para aguardarem o julgamento presos, mas não conseguimos. A partir de então, iniciamos a batalha pelo julgamento imediato dos mandantes e executores. Não é fácil para nós familiares e amigos sabermos que estão livres os assassinos de nossos entes queridos. Os dois são vistos em ambientes de luxo, em festas, em viagens bem acompanhados, desfrutando os prazeres que a vida de gente rica proporciona, enquanto os parentes sofrem a dor irreparável da perda. A cada aniversário de um deles, uma reunião de família, um natal, um ano novo sem aquele casal de vida simples, aflora nosso sofrimento, enquanto os assassinos estão a comemorar a liberdade, a impunidade.
Nós temos a exata noção dos problemas estruturais da justiça brasileira, de sua morosidade, dos prazos, da utilização de instrumentos jurídicos protelatórios pelos advogados. Por outro lado, não podemos suportar mais essa situação. Já passou da hora de julgar os mandantes e executores desse bárbaro crime. Tenho levantado uma preocupação com os familiares no que diz respeito à possibilidade de fuga do país dos dois poderosos empresários. Alguns casos já registrados no país indicam que nesse longo período que separa o crime do julgamento, alguns criminosos, - especialmente endinheirados - , organizam a fuga e escapam da punição que pode ser estabelecida em julgamento - daí a necessidade de a justiça recolher os passaportes dos criminosos, que suponho não ter sido providenciado.
Por fim, nestes quatro anos de luta por justiça, temos nós familiares a obrigação de agradecer à CTB, Central dos Trabalhadores e Trabalhadores do Brasil, na figura de seu presidente nacional, Adilson Araújo, por todo o suporte para manter acesa chama por justiça, à Secretaria de Segurança Pública e ao governador Wagner, que cumpriram os compromissos assumidos, aos rodoviários que estiveram solidários, aos militantes e dirigentes do PCdoB, sempre firmes no apoio, aos nossos advogados que nos prestam valiosa assessoria, enfim, a todos que de uma maneira ou outra estão na luta para honrar a história exemplar de vida desses dois combatentes que tombaram lutando por uma sociedade mais justa e fraterna.
*Geraldo Galindo é dirigente estadual do PCdoB, irmão de Catarina Galindo e cunhado de Paulo Colombiano.